Ainda que seja conhecida a relação entre alergias severas e perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), desconhecia-se o que ligava estas duas patologias. Agora, uma investigação liderada pela Universidade de Coimbra (UC) apresenta novas informações para entender esta ligação: está relacionada com um intervalo muito importante no desenvolvimento do cerebelo no período após o nascimento, em que a resposta alérgica revelou perturbar o amadurecimento desta região do cérebro.
Esta descoberta vem fornecer novas evidências sobre os mecanismos de neurodesenvolvimento, ao identificar este momento crítico de desenvolvimento do cerebelo. Vem, igualmente, alertar para a necessidade de um desenvolvimento saudável do sistema imune e para a forma como alterações a este nível podem ter impactos no cérebro.
O artigo científico IL-4 shapes microglia-dependent pruning of the cerebellum during postnatal development, publicado na NEURON, prestigiada revista da área das neurociências, teve como objetivo principal “estudar a interação da resposta alérgica no cerebelo, que é uma região que se desenvolve essencialmente no período pós-natal”, explica o líder do Grupo de Investigação em Circuitos Neuronais e Comportamento do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC), João Peça. “Sabemos que existem células do sistema imune no cérebro e que estas respondem a mensagens e ʽinstruçõesʼ da periferia, mas percebemos muito pouco sobre esta relação nos períodos críticos após o nascimento”, contextualiza o também docente do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DCV/FCTUC).
Sobre futuras pesquisas nesta linha de investigação, João Peça sublinha a importância de “perceber em maior detalhe por que motivo o cerebelo é particularmente afetado nestes processos, assim como a janela crítica do momento da ʽpodaʼ, uma vez que se o estímulo alérgico surgir numa fase mais tardia do desenvolvimento já não aparecem alterações neurocomportamentais”.
Neste momento, o Grupo de Investigação em Circuitos Neuronais e Comportamento do CNC-UC está a investigar também como é que o cerebelo regula a libertação de dopamina no contexto da PHDA, uma vez que “a compreensão desse circuito e neurotransmissor poderá ajudar a perceber melhor esta perturbação”, avança o investigador. A PHDA resulta em dificuldades de aprendizagem e comportamento impulsivo, afetando, sobretudo, crianças entre os 6 e os 12 anos de idade, podendo ter impactos até à idade adulta.
A investigação foi liderada pelos cientistas da Universidade de Coimbra João Peça, Joana Guedes, Ana Luísa Cardoso e Pedro Ferreira. Contou ainda com a participação de outros investigadores da UC, como também da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz e da Universidade de Manchester.
O artigo científico e a lista completa de autores estão disponíveis em… https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0896627323007183.