“Os portugueses são naturalmente sofredores e pacientes: muita arrochada há-de ser a corda com que de mãos e pés os atam os seus opressores antes que rompam em um só gemido os desgraçados. Um murmúrio, uma queixa… nem talvez no cadafalso a soltarão!”
Garrett (Carta de M. Scevola, 1830)
É muito curiosa esta carta/folheto de Almeida Garrett, escrita e publicada no decurso do exílio em Londres, na qual critica o marquês de Palmela e a sua falta de isenção no que tocava ao apoio aos liberais moderados.
Logo após a sua publicação, em 1830, numa tiragem de 500 exemplares, Garrett arrependido tentou tudo para reversibilizar o seu acto, conseguindo retirar do mercado 400 ficando por diversas mãos 100 exemplares, hoje raríssimas peças de bibliófilo.
A carta de 8 páginas é dirigida ao “Ao futuro Editor do primeiro jornal liberal que em portuguez se publicar” e é “oferecida à contemplação da Rainha, a senhora Dona Maria segunda.
Duma inaudita fereza e dureza questiona-se de quem levou a “Naçam portugueza peregrina no desterro, e vagã, como raça proscripta, e estigmalizada da maldicam de Deos, por quazi todos os paizes da terra — ludibrio dos povos, escarneo dos reis, objectos do geral desprezo. E quem nos trouxe a tanta baixeza e vergonha? Quem nos póz de roverhio na boca das gentes como raça envilecida e bastarda, aberraçam da especie humana, que somos o ásco, o enjõo, a dezhonra dos nossos semelhantes? Os chefes de quem nos confiâmos; a multifária aristocracia de todas as especies que por suas artes veneficas adormeceo a nacam em hum somno letárgico…”
Quase 200 anos volvidos e perante a reação indiferente dos portugueses a tudo quanto à sua volta se passa de substantivo para as suas vidas, tirando o futebol, podemos, com as resguardadas distâncias, afirmar que a evolução idiossincrática deste luso povo não foi tão significativa quanto a longa dilação temporal permitiria entrever.
O mesmo alheamento e desconfiança da política e dos políticos, por vezes mesmo revestida de um enfático desprezo e descrença daqueles que tendo sido tantas vezes logrados, preferiram, por conformismo, adormecer num confortável “sono letárgico”, paraíso dos governantes que nele e nessa indiferença, nessa apatia, cultivam leira pródiga a muitos despautérios, ilegitimidades e duvidosos actos, em prol de alguns com destrato e desfavor de muitos.