“A fala é irreversível, é essa a sua fatalidade. O que foi dito não se pode emendar, salvo se for aumentado: corrigir é, aqui, estranhamente, acrescentar. (…) A esta singular anulação por acrescentamento chamarei ‘engasgamento’. O engasgamento é uma mensagem duas vezes falhada (…) é um ruído de linguagem comparável à sequência de golpes pelos quais um motor dá a entender que está mal de saúde.”
Barthes, R. O Rumor da Língua, ed.70, 1984
Com ar arrogante, a secretária de Estado da Saúde, confrontada com notícias que decerto não lhe agradavam acerca do INEM e do número de mortos desta semana – já são 11 – disparou no mensageiro, numa inábil tentativa de empurrar com a barriga a realidade incontestável dos factos, acusando a comunicação social de estar com anemia.
Aliás, na senda do primeiro-ministro que, quando as perguntas dos jornalistas não lhe são favoráveis, os acusa de “cobras e lagartos”, ele que até tem tido uma “good press”…
De facto, sejamos justos, o anterior governo cometeu o excesso de erros suficiente para o povo o penalizar no voto e entregar o governo à coligação da AD. Ponto final.
Nesta semântica enjoativa das frases redondinhas de Luís Montenegro – o milagreiro – ao fugir para diante recorrentemente, sucedem-se as “boutades” de muitos dos seus membros do governo, ou de polémicas situações por eles criadas, como foram os casos ocorridos com a ministra da Administração Interna, do ministro das Infraestrururas e Habitação, do ministro da Defesa Nacional, do ministro dos Negócios Estrangeiros, etc. Todos eles desvalorizados pelo primeiro-ministro ciente e consciente, com razão, de que ao fim de uma semana toda a gente já esqueceu os “incidentes”.
A teoria da memória curta é infalível. Acontece com vários casos, como por exemplo com as polémicas dívidas de dezenas de milhões de euros da EDP à Autoridade Tributária, que esta alega não conseguir cobrar – sim, é mais simples penhorar bens a um automobilista que não pague 150 € de IUC – e que estão em vias de prescrever.
Ainda no contexto semântico, o que queria a secretária de Estado da Saúde dizer ao falar da anemia da CS?
A anemia, do grego haima (ou anaimia), é uma doença do sangue “que diminui a capacidade de trabalho e a produtividade das pessoas afectadas”. Que o mesmo é dizer, por outras palavras e sem eufemismos, que os jornalistas “são uns lambões”, que fazem mal o seu trabalho.
Perante a “argolada” e como já é vulgar acontecer, veio a correção. Afinal a secretária de Estado não queria dizer “anemia” mas sim “amnésia”, o que, em boa verdade, não merece mais do que uma sonora gargalhada e é caso para dizer, “pior é a emenda que o soneto”, história que se passou com Bocage e um fulano que queria muito ser poeta e lhe pediu que lesse um poema que havia escrito melhorando o que merecia ser composto. Quando recebeu de Bocage o texto ficou muito contente por ver que ele nada tinha rasurado. Questionando o poeta, este respondeu-lhe que a emenda deixaria o texto pior do que o soneto…