Franco Nogueira, ministro e biógrafo de Oliveira Salazar, garante que o ditador chegou ao fim de Setembro de 1942 emagrecido, macilento e cansado das dificuldades da guerra. Tinha insónias e os olhos estremeciam. Tomava muitos medicamentos. Dormia a sesta. Passeava em volta de casa depois de jantar, distraído pelas suas pupilas. Procurava o repouso em Santa Comba Dão, onde as casas e os lameiros lhe provocavam impulsos reformadores, benfeitorias, de que tomava notas circunstanciadas.
As magnas questões da geopolítica não o distraíam da necessidade de alargar a entrada de um quintal: «Falta o Ilídio marcar melhor a entrada; depois falar com o F. Alvelos para ele ceder os metros que são precisos; mandar tirar uma planta a um engenheiro para pedir a licença à junta de freguesia de Ovoas; e construir a entrada.» Pensava em «substituir os bacelos fracos à volta do tanque». É preciso, escreve ele, «recomendar que na poda deixem vara para as videiras fortes do lado de baixo da rua da entrada». Na «terra que está ao pé da figueira, onde está uma baixa, deitar por cima alguma terra da cova». Nada lhe escapava: «Pedir ao Ministro da Economia a indicação acerca dos enxertos» e apurar as «qualidades das pereiras que se plantaram e dos pessegueiros».
Mas o seu grande prazer há-de ter sido a compra de uma terra de lameiro a Maria Ribeiro de Almeida. Esses minúsculos cento e cinquenta metros quadrados custaram-lhe um conto e quinhentos e, por serem contíguos a uma terra sua, vieram ampliar o domínio rural do senhor presidente do Conselho. Cogitava também na compra de uma terra de mato e regadio, cujos donos teimavam em não vender.
Em tudo meditava e a tudo emprestava o seu entusiasmo quando, como neste Outono, ia ao Vimieiro passar alguns dias. Nos seus apontamentos diários cabem referências interessadas a este mundo rural, onde procede como um pequeno proprietário cioso e diligente: «o limoeiro não está com fruto, apesar de muito desenvolvido»; «o galego também não, mas é ainda pequeno»; «há-de plantar-se na leira uma figueira preta para substituir a que secou».
Franco Nogueira diz que Salazar conseguia dormir melhor na aldeia. Caminhava pelas terras e pelos pinhais, ia ao Caramulo, produzia abundante epistolografia, preocupava-se com os olhos e, em breve, regressava a Lisboa, onde o esperavam as manobras eleitorais para a Assembleia Nacional, os relatórios da polícia e o combate à agitação social. O amor pela ruralidade e pelo povo não impedia a sua repressão.
Nuno Rosmaninho
(Foto DR)