Este é dos temas mais difíceis, controversos e actuais no seio da União Europeia (UE).
Arrisco dizer que a maior parte dos leitores optará por dizer “sim”: os países europeus devem abandonar a energia nuclear. Junto-me a vocês, com as informações que tenho e com o que consigo saber. No entanto, o contexto difícil que vivemos conduz-nos a mais pesquisa sobre esta matéria. Este artigo resultou precisamente de um exercício de pesquisa e pretende ser mais um contributo para a discussão.
Há 11 anos, um terramoto e um tsunami no nordeste do Japão (que tirou mais de 15.000 vidas) levaram a 3 colapsos nucleares e à libertação de material radioactivo na Central Nuclear de Fukushima. Foi o maior desastre nuclear desde o incidente de Chernobyl em 1986, e os ambientalistas aproveitaram o acidente para evidenciar os perigos da tecnologia nuclear.
Vários países europeus já eliminaram (ou estão a eliminar) a energia nuclear, incluindo Áustria, Bélgica, Alemanha, Itália e Suécia. Outros, como a Irlanda e a Lituânia, não têm reactores nucleares. Alguns Estados-Membros da UE, no entanto, planeiam renovar ou expandir a sua infra- estrutura de energia nuclear, como a Polónia (actualmente não produz energia nuclear) que planeia construir 6 centrais nucleares.
Os críticos argumentam que eliminar a energia nuclear é mais difícil do que parece. A Alemanha, por exemplo, tem sido forçada a depender mais de centrais de carvão, desde a sua pretensão de eliminação nuclear, que são muito mais poluentes em termos de emissões de CO2.
O contexto tem-se alterado.
Tem havido bastante discussão sobre isto, o que obviamente origina duras lutas políticas nos órgãos europeus e entre Estados-membros. Mas esta decisão não nos deve surpreender. Afinal, a França é a maior potência nuclear da UE, com mais de 50 centrais, e isto demonstra bem a sua actual posição preponderante, como principal contrapeso da Alemanha (como disse, esta não está alinhada com essa posição, pois deu ordem para fechar as suas centrais há algum tempo).
O problema actual da UE é ter dificuldade em assegurar segurança energética e transição energética, ao mesmo tempo. As energias renováveis (solar, vento, hídrica) ainda são insuficientes para assegurar abastecimento. Para além disso, ao descontinuar a produção de energia nuclear e ao fechar minas de carvão, a UE começou a ficar muito dependente do gás da Rússia (40% do gás consumido na Europa é importado da Rússia), ficando refém de Moscovo a este nível.
Este é um problema de grande magnitude: é um problema da Europa que quer classificar o gás como energia verde; é também um problema da Alemanha que perdeu autonomia energética e que tem as reservas de gás em níveis historicamente baixos.
Nomeadamente, num momento como o actual, de inflação, crise energética, guerra.
Depois da pandemia, temos tudo isto, o que dificulta o objectivo de equilíbrio entre a economia, a vida das pessoas, e o ambiente e as metas de descarbonização.
O debate é político, de estratégia política. É preciso fazer escolhas difíceis porque, de facto, não se vive sem energia, mas não pode ser tudo de repente, e não podemos ser imprudentes ao traçar metas irrealistas.
A guerra na Ucrânia expôs a dependência europeia das importações de energia russa e a necessidade de fazer um investimento real em eficiência energética e energias renováveis, ficando com um caminho traçado e definitivo para deixar de usar combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão na produção de energia e continuar a emitir gases com efeitos de estufa.
A verdade é que não tem sentido um investimento no nuclear. Se começássemos a fazer investimentos significativos de infra-estruturas para essa opção, estaríamos a gerar investimentos ociosos que nos iriam sair muito caros.
Outra razão bem forte para dizermos que a energia nuclear não é resposta, é o tempo entre decisão e efectivação, quando precisamos de soluções muito mais imediatas. De facto, o esforço mundial em termos de combate às alterações climáticas é agora. É agora, ao longo desta década. O nuclear, para além de ser caro, demora. Na Finlândia, a central nuclear Olkiluoto 3, que está em testes e já ligada à rede, tinha um custo previsto de 3 mil milhões, mas o custo final
foi de 11 mil milhões e demorou 16 anos entre a decisão e a efetivação.
Não se pode deixar de apontar também o crescimento na energia solar. Claro que o solar só produz durante o dia e depende do estado do tempo, mas a sua capacidade de produção tem vindo a aumentar.
É preciso não esquecer e destacar os custos necessários com a segurança, que aumentaram depois do acidente com a central japonesa de Fukushima, afetada pelo tsunami de 2011, e também com a guerra na Ucrânia, mais uma vulnerabilidade ilustrada com os ataques russos para tomar instalações ucranianas.
O momento actual, em constante mutação, é difícil de caracterizar, mas foi o que tentei fazer, estimulando esta discussão, relembrando aspectos do passado, perspectivando o futuro e tentando encontrar argumentos que justifiquem o abandono da energia nuclear na Europa.
Não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que pode ter, não deve ser utilizada para produzir electricidade. Que continue esta discussão, porque não está certamente terminada.
José Pedro Gomes
Economista | Gestor
(Artigo de acordo com antiga ortografia)