Pedro Nuno Santos anunciou, na noite das eleições europeias, o lançamento dos Novos Estados Gerais (NEG) que terão como objetivo fazer com que o PS se reconecte com a sociedade portuguesa.
A ideia é boa, faz sentido e é urgente.
Há, contudo, algumas questões que importa ter bem presente quando se lançar o tal movimento.
A. Na base da iniciativa como guião programático:
1. As nossas marcas são as da social democracia e do socialismo democrático. Liberdade, democracia, Estado de direito, equidade, solidariedade social, saúde universal, serviços públicos decentes, escola de qualidade, economia onde o Estado tem um papel de intervenção em setores essenciais e de forte regulação;
2. Às obrigações acima referidas devem somar-se as de um país aberto e seguro, interna e externamente, como condição para a sã convivência da sociedade portuguesa, para a afirmação de Portugal no mundo e para a integração dos que recebemos, fazendo do nosso país um verdadeiro espaço multicultural;
3. E, a concluir as baias da carta de missão dos NEG, as ambições de um Portugal moderno e desenvolvido onde as transições climática, energética e digital são linhas-força de uma nova governação transformadora.
B. Nos trabalhos prévios dos NEG:
1. O movimento é para fazer renascer o pensamento político e governativo do PS. Por isso há um caminho prévio – Pedro Nuno Santos tem de fazer a primeira volta ao país falando com as 150 pessoas mais influentes, sem parti pris de classe ou de estatuto, escolhidas de acordo com problemas estruturais do país e as novas prioridades das políticas públicas;
2. Esse contacto, pessoa a pessoa, é essencial para dar empowerment ao líder em campos vastos, conceder-lhe a clareza dos links que os milhares de serviços e interesses do Estado dispõem para a decisão governativa;
3. E, nesse caminho, Pedro Nuno Santos deve despir a sua timidez, resolver a sua impulsividade, ganhar paciência e aprender, em suma – fazer-se incontestado.
C. Na organização dos NEG:
1. Os NEG devem ter uma pequena equipa de coordenação com pessoas de origens diferentes e de idades díspares que se mantenham na sombra, de preferência gente que não tenha o defeito pueril de querer fazer um programa para si próprio, pessoas que saibam separar o que é essencial do acessório, tenham um forte conhecimento do país real e respeitem, sem subserviência, o líder do PS;
2. Esta equipa de coordenação obriga-se a replicar territorial e sectorialmente o trabalho, garantindo o empenho dos militantes e apoiantes que o têm feito ao longo do tempo, mas alargando a novas ideias e novos protagonistas;
3. Os trabalhos do NEG não podem ser motivo de apropriação e de ausência de agradecimento. O PS é um partido mal-educado que recebe a cada eleição contributos e nem sequer agradece no dia seguinte. Isso cria a primeira lista de antipatias que, neste momento, já é considerável. Como também não podem deixar de ser abertos e fechados diversos trabalhos por períodos pré-definidos, obrigando a respostas emergentes decorrentes da instabilidade própria da atual legislatura.
D. Na formação dos agentes políticos e dos novos protagonistas:
1. O PS não pode só debater e fazer papéis. Tem de construir quadros políticos e líderes. A academia precisa de se dar às coisas da gestão pública; os quadros partidários de banda larga carecem de aprendizado no saber dirigir com autoridade e no saber determinar, com qualidade, as governação e administração;
2. O PS deve ter cinco governos prontos. Não pode deixar de ser assim para que o próximo primeiro ministro tenha ampla escolha. Por isso, mais do que saber de matemática, de física ou de química, o que importa é saber relacionar todas elas, uma visão transversal que elimine o minifúndio governativo e valorize a rapidez e a certeza na implementação das políticas;
3. Os NEG devem assumir, ainda, o debate sobre que tipo de estrutura de governo deve ter o país, que regras de transparência deve observar, que imposições éticas devem exigir-se a cada protagonista e, a partir destes, para os departamentos do Estado.
E. Na forma de sair da bolha:
1. O PS é velho na mensagem, na imagem, nas redes, na forma como veste, na atitude. E há cada vez mais pessoas a não gostarem de “gente feia”. Os NEG não podem ser a apatia e a nostalgia típicas da esquerda inconsequente, sim espaços de atração de cada uma das faixas de votantes e dos seus interesses;
2. Os NEG não podem ser de gente que, numa sala escura, bate palmas a três ou quatro powerpoints sem aplicação, apresentados por frades de sandálias, e que não passam no teste do algodão. Os NEG devem ser rua, café, escola, empresa; serão inquéritos, sondagens, viagens, prémios de imaginação;
3. Em suma os NEG não podem ser os nossos que sendo maus são os nossos, mas ajudar esses nossos a serem melhores com os melhores que até podem não ser os nossos amigos ou nossos “puxa-sacos”, fazendo para eles uma intensa agenda de conteúdos que vá para além do pragmatismo impensado e do “atrevidismo” típico do socialista desenrascado.
PS: Em 1994 e 1995 acompanhei Guterres em alguns encontros com personalidades da vida portuguesa. O que mais me impressionou foi o facto do António não falar quase nada de política interna com essas pessoas. Falou da sua vida, de Portugal, da Europa, de ciência, de cultura, de música … e ouviu muito. O que ele queria era ter uma relação intimista, criar vínculos e aprender. Esse método é tão válido hoje quanto o era há três décadas atrás.
Ascenso Simões