Os debates

Era o tempo das ideologias e das vontades de aço. Hoje, é tudo em alumínio e em PVC. Como vão distantes os tempos de Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral. Até as segundas linhas eram de respeito, Salgado Zenha, Amaro da Costa, Sousa Franco e Octávio Pato. Era a época de Joaquim Letria, Joaquim Furtado, José Megre, Maria Elisa, Fernando Balsinha, Adelino Gomes, duros, acutilantes, assertivos.

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  • 17:42 | Segunda-feira, 12 de Fevereiro de 2024
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Longe vão os duelos titânicos, de mais de três horas, que nos deixavam pregados ao sofá, com a fumaça dos cigarros a poluir os estúdios, os cinzeiros, em cima das mesas, cheios de beatas. Quer os líderes partidários, quer os jornalistas, eram de outras águas, feitos de outra massa, tinham outra escola. Sentia-se que tinham uma ideia concreta para o País, e batiam-se por ela. Tinham uma agenda patriótica, fosse qual fosse o seu quadrante ideológico.

Era o tempo das ideologias e das vontades de aço. Hoje, é tudo em alumínio e em PVC. Como vão distantes os tempos de Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral. Até as segundas linhas eram de respeito, Salgado Zenha, Amaro da Costa, Sousa Franco e Octávio Pato. Era a época de Joaquim Letria, Joaquim Furtado, José Megre, Maria Elisa, Fernando Balsinha, Adelino Gomes, duros, acutilantes, assertivos.

Hoje, os líderes chegam acompanhados de uma comitiva de assessores, e compõem um ar sorridente, mesmo que as projecções de voto não lhes sejam simpáticas. À espera, têm o director de programas da estação, e um jornalista estagiário que lhes toma o pulso e faz perguntas sem sal. São os preparativos do faz-de-conta. Depois, vêm os debates, serão 30, durante 15 dias, com 5 estreantes e 3 veteranos, Inês Sousa Real, André Ventura Rui Tavares. Mas não há paciência, é tudo igual ao mesmo. São arrastados, sem chama, desinteressantes. Mas procuro acompanhá-los, não para me esclarecer, mas para me divertir, e poder criticar.

Cada um diz o que quer dizer, leva a cassete na cabeça e não há meio de se desviar do guião. Por mais que o entrevistador insista, o rumo mantém-se. Por vezes, dá a impressão que os entrevistados ficam sem rede, se, porventura, cederem aos jornalistas. Outras vezes, parece que estão surdos às perguntas mais inconvenientes. Falam para os fiéis que, já convencidos, batem palmas, para os devotos que os seguem, e neles só encontram virtudes. Talvez sabendo de antemão que vêm condenados a ser monótonos, descoloridos e estafados, todas as televisões convergiram na vontade de os fazerem curtos, em menos de meia-hora se apagam, vão-se num sopro, que pouco tem de democrático.


À margem, dois episódios. A recusa de Luís Montenegro em debater com o PCP e o Livre. Mas para o que lhe havia de dar. Só uma noite mal dormida explica a sandice. Ficou-lhe mal. A AD não tem 2 líderes, só tem um. Ir buscar Nuno Melo ao sepulcro, entende-se. Ressuscitá-lo, dando-lhe um imerecido tempo de antena, só o povo, com o voto, o pode fazer.

D. Gonçalo, por conta das suas tiradas medievais e dos seus comentários ordinários, foi relegado para o sarcófago, só de lá saindo com a promessa de ficar mudo. Entre a garantia da recusa e a disponibilidade para a participação, mediou pouco tempo, o suficiente, porém, para que todos os partidos condenassem a atitude e as televisões tirassem o tapete à coxa intenção, ameaçando inviabilizar os confrontos. Não é criticável o recuo, mas sim a imprudência da recusa. Antes de anunciar a sua substituição por Nuno Melo, o parceiro ansioso por correr tudo à espadeirada, numa doentia cruzada contra a esquerda, devia ter pensado nas consequências da decisão. Foi imprudente, descuidado, convencido. De um candidato a primeiro-ministro, com sérias possibilidades de o ser, esperava-se outra maturidade. Antes de se comprometer, devia ter pensava bem no que fazer. O repentismo, também na política, paga-se caro.

As televisões que transmitem alguns debates em canais por cabo, esquecendo-se que nem todos os portugueses os têm, estipulam uns 20 minutos para cada um, e depois deixam que os comentários se prolonguem por mais de uma hora. Por estranho critério editorial, entre os políticos e os comentadores, preferem estes últimos. Com o encargo de avaliarem a prestação de cada um dos líderes e apurarem o vencedor. Como se isso influenciasse alguém, ou interessasse a quem continua a gostar de política, apesar de todas as malfeitorias e destratos que lhe têm feito.

Por mim, os debates só terminariam por exaustão dos participantes. Quando acabasse a cassete, eu queria ver o que havia para dizer…

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Publicado em Opinião