Na sua Toscana natal, respirando livremente depois da queda do fascismo, Gino Bartali pedalava com entusiasmo para recuperar o vigor que, antes da guerra, lhe dera a vitória no Giro, em 1936 e 1937, e no Tour, em 1938. Mussolini quis manipular o seu prestígio e, em grande medida, conseguiu. Gino Bartali morreu em 2000 com a fama de «ciclista do regime». Pródigo a falar dos seus feitos desportivos, preferiu calar os actos de coragem e generosidade que praticou entre 1943 e 1945.
Em todos os tempos, mesmo nos mais difíceis, há homens justos. Gino Bartali era um desses. A neta diz que «era um homem gentil, calmo e tímido», franco e, quando calhava, áspero. Conheceu a perseguição aos judeus italianos e viu milhares deles serem encaminhados para os campos de concentração. Com risco para a própria vida, escondeu um amigo judeu em sua casa. Mas foi como ciclista que contribuiu para o salvamento de oitocentas pessoas. Entrou numa rede clandestina, onde lhe cabia entregar documentos falsos, que outros justos forjavam, para que elas pudessem fugir.
Nesses anos desesperantes, em que a política se impunha ao desporto, Gino Bartali recebia vistos, passaportes e documentos de identidade, e escondia-os dentro do guiador. Tornou-se o correio perfeito, de quem ninguém suspeitava, nem os colegas que às vezes lhe faziam companhia. Um dia em que foi mandado parar pela polícia fascista, pediu aos agentes que não lhe tocassem na bicicleta para não a desafinar. Quando aparecia nas estações ferroviárias, montava-se um alarido à sua volta. Até os revisores acorriam na expectativa de um autógrafo. E com este singelo expediente permitia que os judeus, aflitos, agarrados aos documentos que ele lhes entregara, escapassem a uma vigilância apertada.
Este homem nasceu em 1914, e só no fim da vida contou ao filho o segredo glorioso, de que não quis beneficiar em vida.