O Movimento pelo Interior

O Movimento pelo Interior nasceu com um pecado original – não há um Interior, há vários. Como também não há um Litoral, há vários. Basta cuidar um pouco da análise e verificar que a área de influência económica de Viseu é Interior mas não conhece um dos graves problemas tradicionais do Interior como é a criação de postos de trabalho – há muito e bom. Por outro lado, as debilidades de Alcácer do Sal, praticamente sendo Litoral, são muito semelhantes à maior parte do Interior profundo, envelhecido e despovoado.

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  • 11:13 | Sexta-feira, 27 de Maio de 2022
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Não sei se Costa, depois de tanto tempo em funções, ainda tem condições para ouvir que as verdadeiras políticas para o Interior não são as que tem vindo a desenvolver nem as que o Movimento lhe apresentou.

Quando, em maio de 2018, entrei no Apeadeiro Real para a cerimónia pomposa de entrega das propostas, que o Movimento pelo Interior havia estudado e debatido, confirmei o que cedo havia adivinhado – tudo aquilo teria reduzido acolhimento.

Naquela sessão as proclamações não bateram certo. Houve quem soubesse do que se estava a falar porque sentia verdadeiramente os problemas dos Interiores, como era o caso do edil vila-realense; houve quem se estivesse a colocar no centro da mira, tentando vencer o inevitável esquecimento que o tempo nos dá, como era o caso dos ex-governantes de Cavaco Silva; e houve quem nos falasse de forma paternalista, coisa que o Interior odeia, como foi o caso do Presidente da República.

O Movimento pelo Interior nasceu com um pecado original – não há um Interior, há vários. Como também não há um Litoral, há vários. Basta cuidar um pouco da análise e verificar que a área de influência económica de Viseu é Interior mas não conhece um dos graves problemas tradicionais do Interior como é a criação de postos de trabalho – há muito e bom. Por outro lado, as debilidades de Alcácer do Sal, praticamente sendo Litoral, são muito semelhantes à maior parte do Interior profundo, envelhecido e despovoado.


Mas qual foi o grande erro do Movimento – querer uma receita única para mais de 200 concelhos do país. Não era possível, não é possível, encontrar políticas públicas para chegar a todas estas capelas.

A coragem foi negada aos pensadores das propostas. Negada porque não quiseram dividir o chamado Interior em concelhos com massa crítica potencial, concelhos estimulados por âncora e concelhos dependentes.

O que quero dizer com isto? É muito simples – o país precisava há 20 anos, precisa hoje, de políticas para as cidades médias, os tais concelhos com massa potencial situadas na corda Interior, para que estes possam estancar a perda da população, a sua e a dos concelhos de influência, garantir diversidade de serviços e estabelecer elites. Sem isto não haverá Interior que nos valha e vamos continuar a estalicar.

O que seriam concelhos âncora? Concelhos que, pela existência de uma realidade própria de natureza cultural, ambiental ou por doação de uma infraestrutura pública, podem conseguir ganhar o seu futuro com qualidade. São os casos de Montalegre com a sua presença agarrada ao território e ao homo barrosus, de Idanha com a visão de mundo para além do mundo, ou de Ribeira de Pena, a terra da paz, da montanha e da água. Ou seja, concelhos que conseguiram, ou vão conseguir, pela sua natureza ou pelas políticas públicas, existir para além da rotina decadente.

O Movimento pelo Interior apresentou um vasto conjunto de propostas. Muitas delas são relevantes e houve algumas que foram já materializadas. Mas o que faz com que não tenhamos uma concretização mais profunda de um caminho para a coesão? O facto de os líderes do chamado Interior se afirmarem mais pelo chapéu na mão do que por uma ideia consistente e entendível nos dias de hoje.

E não há um reforçar do centralismo? Também existe, por implicação da pequenez de país, pela endogamia do poder e pela implosão da relação entre a base e o topo que os Governos Civis ainda iludiam.

O país coeso deve ser uma marca e uma política. E isso não foi conseguido por nunca ter havido uma marca e por se ter elaborado uma política e esta não ter sido concretizada. O Programa de Valorização do Interior de 2018, que substituiu o Programa Nacional para a Coesão Territorial de 2016, caiu no esquecimento. Nem há acompanhamento, nem há responsabilização, nem há, sequer, alguém que o lembre. Também por isso, os portugueses do Interior, mesmo tendo investimento público e mesmo tendo qualidade de vida, se sentiram, mais uma vez, abandonados e desprotegidos.

Pouco tempo depois de Siza Vieira ter sido escolhido para Ministro Adjunto com a responsabilidade da Agenda para o Interior, eu pedi-lhe para transformar a agenda numa obrigação coletiva e numa marca. Não pode haver uma escola ou um centro de saúde construídos no Interior que não sejam política para o Interior, não pode haver um novo lar para idosos, área em que o Interior tem condições muito melhores do que qualquer município do Litoral, sem que este não seja fruto de uma política para o Interior. Ou seja, a ação política nacional deve fazer-se valer pela marca que souber colocar nos equipamentos que vai construindo ou financiando. Até hoje nem sequer uma simples referência nos avisos obrigatórios que são colocados me cada obra por imposição comunitária.

António Costa, naquela sessão de maio de 2018 foi o único que nos falou de alguma coisa de palpável. A verdade é que a vontade do chefe do Governo não se revelou suficiente. Não sei se Costa, depois de tanto tempo em funções, ainda tem condições para ouvir que as verdadeiras políticas para o Interior não são as que tem vindo a desenvolver nem as que o Movimento lhe apresentou. E que fazia todo o sentido orientar o PRR e o Portugal 2030 para o que pode fazer de Portugal um país equilibrado. Só as cidades médias e os concelhos com potencial deveriam caber nesse novo destino. Aos restantes poderemos continuar a confiar uma das mais generosas leis das finanças locais existentes na Europa até chegar a coragem de uma profunda reforma com um novo Passos Manuel.

O que querem jovens para não rumarem às grandes cidades? Querem liberdade. Ora, a liberdade só existe quando se têm duas coisas básicas – que ninguém se meta na vida de cada um, coisa impossível nas pequenas comunidades onde cada velha se espanca atrás da cortina a ver o cabelo azul do filho da vizinha; e que existam possibilidades de realização pessoal, em que o caminho não seja só uma caixa de hipermercado ou call center de uma multinacional. Criar cidade nas cidades médias é, pois, o grande e único desafio que nos cumpre.

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião