O elogio do ditador

Franco Nogueira pergunta: «Deixa o governo? Vai? Fica?» Ó senhor embaixador, ele nunca quis ir a lado nenhum. Apenas ficar, ficar muito, ficar sempre.

  • 10:16 | Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 2021
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Trinta e dois anos depois de estas coisas sucederem, quatro passados sobre o 25 de Abril, Franco Nogueira, que fora ministro de Salazar, publicou o terceiro volume da biografia do ditador. Imagina o eminente «homem de Estado» perante o descalabro do regime, rodeado pela descrença dos apaniguados. Lembra que vai nos cinquenta e sete anos de idade, dezassete dos quais no governo, com a guerra civil de Espanha e o conflito mundial. Franco Nogueira diz que «está marcado nas suas feições», e descreve-as: «rosto afilado, pele de marfim, cabelo todo grisalho: não tem aspecto de um velho: tem um ar envelhecido.» Diz que «está exausto de nervos», mas com a «força de vontade» para os dominar. Tantas coisas haviam mudado, tantos homens importantes desaparecidos. O biógrafo apresenta-o, firme, a meditar na vida futura, cogitando no abandono do poder.

«Neste fim de Outono de 1945,» escreve Franco Nogueira, «Salazar está na sua aldeia. Dilacera-se entre o apelo da terra e o apelo da Universidade, o regresso às raízes, o fechar do círculo, o exercício do poder político como um imperativo escrito nas coisas.»

Agora reflicto eu. Pelo que ouvi de Belisário Pimenta, Fausto Lapa e Manuel Rodrigues Lapa, o imperativo até pode estar escrito nas coisas, mas essas coisas imperativas chamam-se polícia, prisão, violência e censura.

Franco Nogueira pergunta: «Deixa o governo? Vai? Fica?» Ó senhor embaixador, ele nunca quis ir a lado nenhum. Apenas ficar, ficar muito, ficar sempre.


 

(Foto DR)

 

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Publicado em Opinião