O altar sagrado dos adolescentes

Há dados alarmantes, segundo um inquérito do serviço de inspeção do sistema de educação britânico (Courrier International, 14/12/2023), 88% das raparigas interrogadas declararam ter recebido, em algum momento, imagens ou vídeos que não queriam ver e 80 % receberam pressões para fornecerem imagens ou vídeos sexuais delas próprias. O papel de espião, de intruso ou de censor dificilmente serão a solução mais eficaz. A solução poderá passar pelo diálogo e confiança, ingredientes de excelência, exigentes, difíceis de conquistar e de manter, numa fase de desenvolvimento complexa, não isenta de conflitualidade e desafios latentes e omnipresentes.

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  • 12:44 | Terça-feira, 23 de Janeiro de 2024
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Encontram a almejada privacidade e aí permanecem cada vez mais tempo, horas seguidas, dias… Conversam, sorriem, choram, refletem, aprendem, crescem, vivem… O quarto funciona como um altar sagrado para muitos adolescentes, como explica Jason Reid no livro Get Out of My Room!: A History of Teen Bedrooms in America.

A pandemia terá acelerado a tendência, identificada por um estudo realizado em Inglaterra, 77% do tempo livre dos jovens é passado em casa e 51% no quarto transformado numa “casa dentro da casa”.

O potencial dos smartphones não será alheio a esta realidade. Hoje, temos na mão uma janela para o mundo e tudo parece estar a um clique de distância sem sequer termos que sair de casa, do quarto ou mesmo da cama.


Há estudiosos que consideram a solitude (não confundir com solidão) como expressão da adolescência, um importante espaço para a reflexão, numa fase de construção da identidade, incompreendida e temida por muitas famílias.

A decoração do quarto é reflexo da personalidade em construção, são comuns os apontamentos dos gostos musicais (artistas e bandas), cinematográficos (atrizes, filmes, séries), moda… Os quartos dos adolescentes são uma das tendências do momento no Instagram e no TikTok, surgindo como cenário ou como sujeitos das narrativas. Uma busca por palavras-chave como #TeenRoom, #RoomTok, #TeenBedRoom, #BedRotting devolvem milhares de publicações. O desejo de pertencer a um grupo, de encontrar e estar com a sua “tribo”, desvaneceu-se, ficando-se, talvez, pelas interações à distância que não permitem o contacto físico, o olhar, o sentir e o querer estar com o outro.

Há dados alarmantes, segundo um inquérito do serviço de inspeção do sistema de educação britânico (Courrier International, 14/12/2023), 88% das raparigas interrogadas declararam ter recebido, em algum momento, imagens ou vídeos que não queriam ver e 80 % receberam pressões para fornecerem imagens ou vídeos sexuais delas próprias. O papel de espião, de intruso ou de censor dificilmente serão a solução mais eficaz. A solução poderá passar pelo diálogo e confiança, ingredientes de excelência, exigentes, difíceis de conquistar e de manter, numa fase de desenvolvimento complexa, não isenta de conflitualidade e desafios latentes e omnipresentes.

Com as redes sociais, o quarto deixou de ser um espaço de solitude… Se por um lado os pais devem respeitar o espaço vital dos filhos, tal não significa alheamento, desconexão, despreocupação, desresponsabilização. Um equilíbrio difícil de alcançar no qual se deve apostar precocemente.

É fundamental que os filhos considerem os pais o seu porto de abrigo. A confiabilidade contribui para a parentalidade digital positiva que pode ser construída desde cedo, acompanhando os filhos no uso das tecnologias. A supervisão, o apoio na utilização das tecnologias, a mentoria e a construção do pensamento crítico são determinantes na diminuição do risco, na construção de “altares sagrados” e na prevenção dos indesejados e perigosos “altares de sacrifícios”.

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Publicado em Opinião