Medidas anunciadas por Costa mais parecem a “ajuda” da Troika

A EDP já anunciou que irá aumentar a tarifa de energia do 1º escalão de consumo de gás em 233%; a factura do gás natural irá encarecer,em média, 30 euros. A Galp também já decidiu aumentar, a partir de 1 de Outubro,  em 8 euros, em média, o preço do gás natural.

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  • 9:33 | Segunda-feira, 12 de Setembro de 2022
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No meu último artigo abordei o problema das alterações climáticas e das suas trágicas consequências. Uma destas consequências é precisamente o problema energético que o processo de descarbonização a contra-relógio levanta. A esse propósito, cito o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Filipe Duarte Santos, astrofísico e investigador em Física Nuclear Teórica:  “Há um consenso crescente de que as alterações climáticas constituem um dos maiores riscos para os direitos humanos no século XXI, dado que afetam o direito à vida e o «direito a um padrão de vida capaz de assegurar a saúde e o bem-estar de si mesmo e da sua família, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis», conforme consta no artº 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.(…) O processo de descarbonização deve ser justo do ponto de vista social e económico, a nível nacional, regional e global (…)”(in “Alterações Climáticas”, FFMS, 2021).

Ora, a referida justiça social e económica está a ser posta em causa pelo corte no fornecimento do gás russo que Putin ameaçou ser total, em retaliação pelas sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia, na sequência da invasão da Ucrânia. Independentemente da necessidade de pressionar a Rússia a negociar a paz (Zelensky deixou de falar em negociações, talvez entusiasmado com os 74 biliões de dólares de ajuda militar e financeira à Ucrânia aprovada até Agosto pelo congresso dos EUA), até agora mais parece que estas sanções estão a funcionar como um boomerang que é lançado na direcção do Kremlin, mas que dá meia volta e acerta em cheio na cabeça da UE.

Segundo estimativas do Goldman Sachs,a factura média de energia (soma de electricidade e gás) das famílias europeias deverá, no início do próximo ano, atingir os 500 euros mensais (um aumento de 200% face a 2021), podendo chegar aos 600€ se se consumar o corte total do fornecimento do gás russo aos países da UE.

Os analistas deste banco prevêem”impactos ainda mais profundos desta crise energética do que os da crise petrolífera dos anos 1970” (Expresso, 5/9). E há economistas que comparam esta crise anunciada à dos anos 1930 que abriu caminho para o ascenso do nazi-fascismo. Já se verificam manifestações de protesto contra o aumento do custo de vida,em particular da energia e dos combustíveis, em França, Reino Unido, Alemanha e Chéquia (em Praga 70.000 pessoas na rua a exigir a demissão do governo checo) e na sua mobilização encontram-se partidos e movimentos de esquerda, mas também de direita e da extrema-direita.


A EDP já anunciou que irá aumentar a tarifa de energia do 1º escalão de consumo de gás em 233%; a factura do gás natural irá encarecer,em média, 30 euros. A Galp também já decidiu aumentar, a partir de 1 de Outubro,  em 8 euros, em média, o preço do gás natural. O governo  legislou para permitir o regresso dos clientes domésticos e pequenos negócios às tarifas reguladas que terão em Outubro um aumento médio de 3,9% . Em primeiro lugar fica demonstrado a falácia de que a liberalização do mercado da energia iria baixar os custos. Estes já estavam a subir muito antes da invasão da Ucrânia e hoje estão precisamente a esse nível. Daí a necessidade de recuperar o controlo público da energia (REN e EDP são controladas pela China). O governo devia seguir a recomendação de Guterres, secretário-geral da ONU, e “tributar os lucros excessivos para financiar um programa público que possa apoiar quem está a perder mais com a inflação”, conforme defendeu o BE.

O primeiro ministro anunciou, com pompa e circunstância, um punhado de medidas que supostamente iriam beneficiar os aposentados e os trabalhadores mais prejudicados com a inflação. No entanto, vários economistas confirmam o que foi de imediato denunciado pela APRE! – Associação de Aposentados Pensionistas e Reformados, que em comunicado assinado pela presidente da Direcção, Maria do Rosário Gama afirma: “(…) a APRe! ficou perplexa com o “corte” no valor das pensões mascarado de antecipação de um pagamento de meia pensão, em outubro, mantendo o valor básico das pensões, o que não corresponde a um aumento real das mesmas. A actualização extraordinária em Outubro impunha-se dado o elevado valor da inflação, devendo este valor servir de base para a aplicação da Lei 53-B/2006, em 2023. O não cumprimento da lei copia o procedimento dos anos da “troika” embora com diferente metodologia. Haverá uma forte redução na percentagem de aumento em 2023, ficando profundamente prejudicada a actualização para 2024 e anos seguintes.”

Quanto à baixa do IVA da electricidade de 13% para 6%, ela só se aplica numa ínfima parte da factura, continuando a maior parte com o IVA de 23%, o que equivale , numa factura de cerca de 100 euros a uma poupança de 1 €, segundo as contas do Jornal de Negócios. A DECO e o Dinheiro Vivo calcularam uma poupança de 1,60 € no consumo mensal de um casal com 2 filhos, com uma potência contratada até 6,9 Kva.

Os 125 euros de apoio único a quem aufere até 2.700 € estão muito longe de compensar a perda de rendimentos de quem trabalha e vive com dificuldades económicas, além de não ter em conta as gritantes desigualdades sociais (note-se que dos 2,3 milhões de portugueses em situação de pobreza ou exclusão social, quase 540 mil são trabalhadores na pobreza apesar de empregados). Para quem  ganha 1.200 €, a esmola de 125€ equivale a um aumento de 0,7%, quando a inflação já ultrapassou os 9%.

Muitos outros países europeus tomaram medidas bem mais benéficas para os cidadãos, como a redução do preço dos transportes públicos ou mesmo a sua gratuitidade, como em Espanha (o governo de Costa limitou-se a congelar o preço dos passes). Não se trata aqui de uma “reposição de rendimentos”, mas, pelo contrário, de uma efectiva perda de rendimentos e de um truque manhoso do governo ao antecipar pensões a que já se tinha direito em 2023, muito longe sequer de mitigar o aumento do custo de vida para trabalhadores e pensionistas.

 

 

 

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Publicado em Opinião