Em Outubro de 1944, enquanto Hitler se deprimia com a doença e a guerra, e Primo Levi sofria as ignomínias da inumanidade e da morte, a revista O Litoral noticiou a publicação de Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, romance que, se estou certo, decorre em 1917, e eu só haveria de ler, aos dezoito anos, em Maio de 1983.
Quem não perdeu muito tempo a inteirar-se dos amores de Margarida Dulmo e José Garcia e dos mistérios identitários das ilhas açorianas foi o coronel Belisário Pimenta, que o leu em 1948.
Eram amigos, escreviam-se desde que Vitorino Nemésio fora estudante em Coimbra. No dia 12 de Abril de 1944, já professor na Faculdade de Letras de Lisboa, o escritor enviou uma carta ao «Ex.mo Senhor Coronel Belisário Pimenta, meu prezado Amigo», desculpando-se de ainda não lhe ter devolvido um dicionário, que muito usou nas suas «devassas herculanianas». É provável que também lhe devesse a devolução das Curiosidades, de Moreira de Azevedo, mas não tinha a certeza. «Sou infelizmente», escreveu Vitorino Nemésio, «bastante descuidado nisto de livros e papéis. Darei uma volta ao meu caos e, se encontrar esse livro, enviá-lo-ei a V. Ex.ª.»
Belisário Pimenta, anticlerical e anti-salazarista, não vivia confortavelmente no seu tempo. Valiam-lhe as cartas aos amigos, as conversas e os desabafos no diário. Em 16 de Novembro de 1944, remeteu uma longa carta ao «bom amigo Pires Monteiro» sobre o centenário do nascimento de Eça de Queirós, que se iria cumprir no ano seguinte. O Instituto, conspícua agremiação universitária de Coimbra, propôs-lhe que fizesse uma conferência. Ele pensou em estudar a presença dos militares na obra de Eça e ficou a aguardar a concordância superior, governamental, de António Ferro, com uma promessa: «Se o ilustre ditador quiser intervir no sentido de qualquer fiscalização ou censura, por muito cerimoniosa que sejam eu atiro com os aparelhos ao ar e meto o meu trabalho na gaveta.»