Quem gosta de se libertar, depois de um dia intenso de trabalho em Madrid, deve visitar a Calle de Los Libreros. Foi exatamente isso que me levou, há muitos anos a passar a ter na cidade capital das Espanhas, como base, o Hotel Los Condes, simples mas familiar e que não fica nada a dever aos mais caros e sonantes das cadeias internacionais
Neste outono, as livrarias estão cheias de livros de História e de romances históricos. Nunca tinha visto tal, mesmo que em Espanha haja sempre produção infinda de criação nacional ou dos países da América do Sul que falam castelhano.
Não é normal, em Portugal, um dilúvio de produção histórica para as livrarias de massas, mas, este ano, há três obras a que quero dar relevo.
As escolhas de Rui Tavares são excelentes, mesmo que algumas delas possam por os cabelos em pé aos mais conservadores ou puristas. Mas, o mais relevante é a consideração de uma História que vale a pena ser valorizada antes de se considerar a existência do Reino de Portugal.
Indico estas duas obras para as colocar em oposição às de José Gomes Ferreira, jornalista e comentador. Gomes Ferreira publicou dois livros que diz serem sobre história e é verdade. Há contudo um problema na abordagem que faz – ela não cumpre as regras da investigação em História nem segue os mais recentes avanços na investigação histórica.
Sei, porém, que Gomes Ferreira venderá muito mais do que as edições dirigidas por Rui Tavares e por Roger Lee e Paulo Dias. E porquê?
Há uns dias conversava com duas pessoas por quem tenho consideração e que considero cultas. Ambas têm mais de 60 anos. Para elas a Escola de Sagres é um dado adquirido, a caravela a marca dos Descobrimentos. Sabem os historiadores que ambas as referências são história falsificada, na melhor das hipóteses são mitos em torno da História.
José Gomes Ferreira segue a história dos manuais escolares de um certo tempo e não lhe poderemos levar a mal por isso. Mas não é História o que ele escreve, é “literatura” em torno da História.
Não acho mal que Gomes Ferreira publique os seus livros. O que acho mal é que as livrarias os coloquem nos escaparates das humanidades. Como também não acho mal que as pessoas os leiam, porque é preferível continuarem a ler escritos em torno da História de Portugal do que não lerem nada.
A academia parece ter deixado de querer influenciar a vida pública. A maior parte dos académicos, muitos com vasta produção e reconhecimento entre pares, nunca será conhecida, muito menos reconhecida, pelos portugueses. Ora, o “atrevimento” de Gomes Ferreira (ou de Isabel Stilwell e José Rodrigues dos Santos que também entram pela História amiúde) tem a vantagem de implicar com as cátedras, com os assentos doutorais.
Referi duas obras relevantes. Porém, não quero deixar de vos propor que comprem,neste Natal, a obra mais importante destes últimos anos, talvez desde a publicação da História de Portugal de Rui Ramos. Trata-se de Portugal na História – Uma identidade,de João Paulo Oliveira e Costa.
Esta História não começa em D. Afonso Henriques, nem começa, sequer, pela História. Se quisermos, começa pela antropologia, pela arqueologia e pela sociologia, por vezes até pela psicologia. É esta interdisciplinaridade que faz o leitor, comum ou erudito, juntar mais conhecimento ao que já lhe foi transmitido.
E se lhes por possível, comprem as outras obras. Também as de Gomes Ferreira. E depois confrontem o que é História e o que são escritos em volta da história.
Ascenso Simões
(Fotos DR)