O país vive, há alguns meses, uma sensação única com os casos que se seguem na estrutura do Governo. Olhando para a realidade europeia, os acontecimentos conhecidos não seriam anormais, quer na quantidade quer nas razões.
Em pouco tempo entraram e saíram do Governo uma dezena de personalidades. Desses, três tiveram de abandonar o Executivo por razões que se prendem com questões jurídicas.
Já aqui analisámos os casos de Miguel Alves, de quem serei sempre amigo, e de Alexandra Reis. O caso de Carla Alves não permitiu, sequer, análise, tal foi a rapidez dos acontecimentos. As restantes saídas são de natureza política ou implicadas por problemas de saúde, coisas naturais porque António Costa não tem por hábito substituir jogadores a meio do percurso.
Não se podem, porém, refutar os efeitos muito negativos de toda esta situação. O Governo tem de ganhar outra dinâmica, quer numa perspetiva do que pode acontecer em 2024 ou na obrigação de comandar o país até 2026.
O que lamento, e vai acontecer inevitavelmente, é o anátema que passou a incidir sobre esses mesmos autarcas e as regras que, aplicadas agora ou no futuro sobre o facto de serem arguidos, mesmo acusados, os transformam em párias políticos imprestáveis. No mundo da bufaria em que se transformaram as Redes Sociais, não deve sobrar autarquia onde não haja um eleito que não tenha um Termo de Identidade e Residência. O barulho está aí e marcará o futuro.
E de um sopro, no meio de tudo isto, aparece o chamado caso Jamila Madeira.
Jamila é um quadro político de enorme valia para o PS. Foi líder da Juventude Socialista, deputada ao Parlamento Europeu, membro do Governo e parlamentar da república. Mas é também, há mais de duas décadas, um valioso quadro superior da REN – Redes Energéticas Nacionais.
Este é o primeiro ponto – Jamila não é consultora externa da REN nos termos em que habitualmente entendemos essa função, é uma colaboradora muito qualificado com a categoria de consultora.
As notícias dizem que Jamila fazia as duas coisas – trabalhava na REN e era deputada. Ora, o estatuto de deputado sempre permitiu essa mesma realidade. Para isso, sempre declarou o regime de não exclusividade e de tempo parcial nas duas entidades em que trabalhava.
Este segundo ponto é muito importante – a deputada não ganhou mais do que a lei lhe autoriza no parlamento e venceu metade do que aconteceria se estivesse a tempo completo no seu emprego. E quando houve dúvidas sobre a compatibilidade das atividades, Jamila, por vontade própria e antes de qualquer implicação dos jornais ou televisões, encerrou o caso. Ainda bem que há políticos com profissões relevantes.
Este terceiro ponto também merece uma atenção. Na EU importa o registo de todos os interesses. Trata-se de “defesa de interesses privados” quando estamos a falar de implicações de forças externas perante a construção regulamentar europeia, como aconteceu com Jamila quando não estava na política ativa e era só funcionária da REN; trata-se de transparência quando estamos a falar de deputados. Todos sabiam em Bruxelas que Jamila era deputada, trabalhava na REN, tinha interesses nas questões da energia e das redes, mas isso não era lobbying.
A derradeira e enorme (?) acusação é a de que Madeira votou questões que lhe diziam respeito, enquanto funcionária da REN, no parlamento. E para esta posição só importa sentir e dar uma gargalhada.
E também não é aceitável que se coloque em causa a idoneidade de um pessoa porque, seguindo as boas práticas de poupança, comprou umas centenas de ações da Galp, da EDP, da REN e de outras empresas. Neste caso é só uma questão de “inveja”, palavra usada por Camões para terminar os Lusíadas e que eu capturo para encerrar este texto.
Ascenso Simões
(Foto DR)