O problema da falta de acesso à habitação em Portugal, com os preços especulativos das rendas de casas, atingiu um patamar tão dramático para muitas famílias que mais de uma centena de associações cívicas, de defesa dos direitos humanos, do ambiente e dos direitos laborais (incluindo o Sindicatos dos Professores da Grande Lisboa, o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social e os Precários Inflexíveis), e muitas outras organizações e colectivos locais, comunitários, de imigrantes e de moradores (incluindo a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, a Habita!, a Stop Despejos) resolveram juntar-se à acção europeia pelo direito à habitação que vai decorrer no próximo Sábado, 1 de Abril.
Estão marcadas para esse dia manifestações e concentrações em Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Braga e Viseu. No Rossio, em Viseu, pelas 15 horas, terá lugar uma concentração, convocada pela Plataforma Já Marchavas (ver página 6).
Na Zona Euro, mesmo antes da invasão da Ucrânia, houve um aumento de 18% nas rendas e de 50% no valor das vendas de casas. Mas Portugal foi um dos países onde a habitação ficou mais cara, entre 2010 e 2022, com um aumento de 80% no preço de venda das casas e de 28% no das rendas. No terceiro trimestre do ano passado o preço das casas aumentaram mais de 13% , quase o dobro da média da Zona Euro, apesar de terem caído na Grécia, Itália, Chipre e Dinamarca.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65º, garante que “1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” e “2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação (…); b) Promover, em colaboração com as (…) autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. 3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria. (…)”
A verdade é que nem os governos nem as autarquias têm respeitado esse dever constitucional. O resultado está à vista: 26 mil famílias portuguesas vivem em condições indignas; 25% vivem em casas húmidas ou com os telhados apodrecidos; 17% dos portugueses não têm dinheiro para aquecer as casas no Inverno. Portugal só tem 2% de habitação pública, quando a média da UE é de 10%. Aumenta o número de despejos, de pessoas sem abrigo e a gentrificação (expulsão dos moradores dos bairros tradicionais e dos centros das cidades para as periferias, por força da especulação imobiliária).
Em Viseu, o problema tem-se vindo a agravar de ano para ano. Dados oficiais dão conta de 250 pedidos de habitação social à empresa municipal Habisolvis, a maior parte prioritários, mas a autarquia há décadas que não investe na habitação social. Fernando Ruas até quis demolir o Bairro Municipal (vulgo “da cadeia”), com o argumento de que era “um desperdício de espaço num local central da cidade” (como se a vivenda em que vive, num local nobre da cidade, não pudesse também ser classificada como um desperdício de espaço!).
O mesmo se poderia dizer do Bairro de Paradinha, transformado num gueto, onde há cerca de duas décadas alguns jovens protestaram por viverem amontoados no mesmo apartamento dos pais, com irmãos e avós, sem as condições de privacidade e intimidade exigidas na Constituição, apesar de haver casas vagas. Montaram tendas no espaço comum e chamaram a comunicação social.
Pois bem, após quase duas décadas,o problema mantém-se. Esses e outros jovens, entretanto casaram e continuam a viver em casa dos pais, já com filhos, sem as mesmas condições de habitabilidade. É o caso de Linda Negrita, de 33 anos,que vive com o marido e os três filhos, de 10 e 3 anos e uma bébé, em casa da sogra no Bairro de Paradinha. Cinco pessoas num quarto! (na foto,com a mãe e o irmão Mizael que vive na mesma situação,com a namorada em casa dos pais).
Inscreveu-se na Habisolvis há mais de uma década, sem resposta. Há dias foi lá para concorrer às casas reabilitadas do Bairro Municipal e responderam-lhe que não eram destinadas a ela. Ficou sem saber se era por ser de etnia cigana! Ou talvez por serem destinadas, como disse Ruas, “a famílias jovens de médios ou médios/baixos rendimentos” e não a famílias de baixos rendimentos, como é o caso, apesar de haver centenas em fila de espera para uma habitação social. Mais um processo de gentrificação!
Surpreendentemente, na véspera da concentração Casa para Viver, no Rossio, Fernando Ruas irá ao Bairro Municipal mostrar a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa, as obras inacabadas do bairro que ele queria arrasar. Mesmo que tenha sido o governo a escolher o bairro por ter financiamento do PRR, é lamentável que Viseu não tenha mais nada para apresentar com os fundos da “bazuca europeia” do que obras inacabadas que já estavam orçamentadas pelo anterior edil. Com tanta falta de habitação social… é preciso ter lata!