O problema da habitação é, desde 1984, uma responsabilidade dos municípios. É exatamente por isso que os impostos sobre o património são uma receita sua.
O Senhor Presidente da República deu a conhecer, no início desta semana, a sua posição sobre uma parte do pacote legislativo que tem como objetivo ajudar à resolução do problema de falta habitação.
Sobre as questões que mais concentraram o debate já me pronunciei no texto que aqui escrevi e que tinha como título Habitação: o pacote, o menino e o banho; (https://expresso.pt/opiniao/2023-02-23-Habitacao-o-pacote-o-menino-e-o-banho-2c5ebcfa )
Alguns dos meus argumentos coincidem com os do Presidente, mas o texto do veto que enviou ao Parlamento não é sobre razões, é sobre insatisfações pessoais e é isso que o faz diferente e perigoso.
Importa, porém, trazer aqui três questões políticas prévias.
A primeira é a que advém da experiência autárquica do Primeiro Ministro. O conjunto de diplomas aprovados pelo Governo e pelo Parlamento não tem de ser de imposição obrigatória, mas permitem, aos autarcas, opções várias para fazerem face ao problema que têm nas mãos.
As duas restantes são questões que dizem respeito à mensagem do Governo. O problema da Habitação é, desde 1984, uma responsabilidade dos municípios. É exatamente por isso que os impostos sobre o património são uma receita sua. Não podem as câmaras ter o lado bom da questão, a receita, e não terem o lado menos bom, a obrigação de adequarem os instrumentos de ordenamento, de regularem o mercado dos solos, simplificarem os licenciamentos e, como não pode deixar de ser, construírem e disponibilizarem habitação.
Por último, a questão da mensagem. Quem entra no site do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) (https://www.ihru.pt/) consegue ver os concursos que estão em desenvolvimento, até o número de casas em construção por este. Mas falta ter uma ideia de conjunto e da sua distribuição por concelhos: quantas casas foram já construídas, quantas estão em construção, quantas estão em concurso, quantas vão ser compradas no mercado por todas as entidades apoiadas com fundos europeus e nacionais. O mesmo acontece no que se refere ao arrendamento e outras medidas de apoio. Ou seja, o Governo está a ser atacado por todos os lados, mas não sabe defender-se. Basta uma página a abrir o site do mesmo IHRU, ou um simples portal que seja acessível a todos com informação clara e simples.
Vamos agora ao veto do Senhor Presidente da República.
Amuo também, porque é entendimento do Presidente que este pacote carecia de um apoio mais amplo no Parlamento. Ora, trata-se de um universo em que as visões do atual PS e do atual PSD são muito distintas, o que impede qualquer tentativa de negociação. Não se trata de terem “radicalizado posições no Parlamento (…)”, sim do funcionamento normal da democracia, do regular funcionamento das instituições. Desejar que haja um bloco central nas questões da habitação não pode transformar-se no motivo primeiro de qualquer veto.
Mas o amuo vê-se nos argumentos do ponto 3 da carta. O Estado não vai assumir responsabilidades na construção direta de habitação para além dos fundos comunitários, diz. Soubera o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa como está a economia no setor da construção e perceberia que vamos ter de suar as estopinhas para gastar tudo o que já temos da Europa em tempo. O problema não é a falta de dinheiro, portanto!
A burocracia é tão lenta que não vai conseguir apoiar as cooperativas para construírem, os proprietários para arrendarem, diz. Talvez fosse interessante que o Senhor Presidente fosse claro, de uma vez por todas, quanto às regras públicas de contratação. Sempre que há uma tentativa para as simplificar tem sido sempre ele a fazer recuar o Governo ou o Parlamento.
E diz ainda que não se “(,,,) vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso do aumento dos juros e, em inúmeras situações, nas rendas”. Bem sabe o Presidente que estamos num espaço integrado, que os maiores Bancos respondem ao BCE, que as medidas deste se destinam a controlar a inflação, que há limites para os apoios e que o Governo tem feito tudo o que está ao seu alcance para aprovar vastos programas que até já estão em vigor há alguns meses. E também não pode esquecer o que dizem as agencias internacionais sobre a matéria. (https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/banca—financas/detalhe/dbrs-alerta-que-margem-financeira-da-banca-nacional-podera-ja-ter-atingido-o-pico-ou-estar-perto)
No ponto 4, o Senhor Presidente socorre-se de uma frase que é um elogio ao melhor populismo. Escreve – “Em termos simples, não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez.”
Quem prometeu? Saberá o Senhor Presidente que construir casas novas nunca demora, na melhor das hipóteses, menos de três anos? E saberá o Senhor Presidente que tem muito mais eficácia, na construção de habitação, a redução dos prazos de aprovação de projetos e licenciamento pelos municípios? E também tem muito mais eficácia a redução dos valores a pagar aos municípios pelas mesmas licenças? E também tem muito mais eficácia não implicar no mercado, como está a fazer, quando diz que o Governo criou um problema aos investidores? E quem criou o problema em Espanha, no Canadá, na Bélgica, foi António Costa? Talvez fosse muito útil uma leitura do texto Extreme renting: how rising rates turned the screws on tenants across Europe (https://www.ft.com/content/2748d160-03ee-433c-b822-6c07918d1797) para se não fazer local o problema que se vive em muitos países do mundo.
Cabe ao Senhor Presidente, depois deste veto, chamar os edis das duas Áreas Metropolitanas e “obrigar” quem tem feito pouco a dar corda aos sapatos.
Um veto não pode ser um texto de comentário político. Também não pode ser o desejo meninil de colocar os dois principais partidos a entenderem-se sobre uma matéria em que as divergências são nítidas. Muito menos pode ser o reflexo de mais uma tentativa de condicionar, controlar, tutelar o poder executivo. E é por isso que este veto tem um significado diferente de todos os anteriores, é a confirmação da solidão (por vezes cacotopia) e do amuo em que Senhor Presidente da República terá entrado.
Ascenso Simões