É Carnaval! Será que ninguém leva a mal?!

Nós, os meninos e meninas da Serra quando muito poderíamos mascarar-nos com os trastes velhos que jaziam a cheirar a mofo no fundo das malas e arcas de madeira.

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  • 14:12 | Sexta-feira, 28 de Fevereiro de 2025
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O Carnaval é de todas as quadras festivas aquela pela qual nutro menos simpatia.

A minha relação com o Carnaval reveste-se de uma dualidade que não consigo explicar. Se por um lado acho que as pessoas devem dar azo à sua imaginação e devem aproveitar esta quadra para se divertirem, por outro lado, raras são as manifestações carnavalescas a que acho piada, excepção feita às manifestações tradicionais, como o Entrudo em Lazarim.

Não me lembro de alguma vez me ter deslocado para assistir aos corsos carnavalescos que singram por esse país, corsos esses, que cada vez mais, são umas imitações desadequadas do Carnaval brasileiro. Não me lembro de alguma vez me ter mascarado! Devo ser das poucas pessoas que neste país nunca se mascarou, mesmo em criança!


No meu tempo de escola devido ao isolamento e às dificuldades económicas da maioria das famílias da minha aldeia, não havia desfiles de Carnaval, onde os meninos se mascaravam de príncipes e as meninas de princesas e fadas. Os fatos de Carnaval de hoje cheios de folhos, tules e lantejoulas e que se podem encontrar em qualquer loja dos chineses, nesse tempo só as meninas e os meninos chiques tinham acesso a eles porque a costureira da casa os fazia à sua medida.

Nós, os meninos e meninas da Serra quando muito poderíamos mascarar-nos com os trastes velhos que jaziam a cheirar a mofo no fundo das malas e arcas de madeira.

Na nossa terra os mascarados eram conhecidos por “ensaiados” e confesso que desde menina sempre me meteram receio, não só pela forma como se mascaravam, normalmente com roupas velhas, escuras e com a cara tapada com um lenço preto, como também pelas brincadeiras que levavam a cabo, que eram tudo menos inocentes.

Sempre achei que os “ensaiados” utilizavam este dia onde tudo ou quase tudo era permitido, para fazerem aquilo que de cara destapada não tinham coragem de praticar. Sempre que dois ou três ensaiados percorriam as ruas empedradas da aldeia, era ver as crianças e as rapariguinhas a correrem, tropeçando e deixando para trás os socos de madeira, para dentro de casa procurarem o abrigo e a protecção de alguém mais velho. Se assim não fosse, às crianças pregavam sustos, pintavam a cara com carvão e até podiam ser um pouco violentos com o pau de urgueira que sempre os acompanhava, enquanto que as raparigas eram rodeadas por estes encapuçados e muitas vezes tinham atitudes que de cara lavada os envergonharia a eles e aos familiares.

Lembro-me de num dia de Entrudo, num desses grupos de ensaiados andar um rapaz, filho de uma família muito considerada na aldeia e que quando se soube que ele tinha sido o autor de algumas brincadeiras os pais ficaram bastante envergonhados com tal comportamento.

Muitas vezes eram os próprios “ensaiados” que se desentendiam e a festa acabava em pancadaria, com uma cabeça rachada que possibilitava descobrir quem estava por detrás do lenço.

Foi talvez por tudo isto que eu nunca me mascarei, aliás a minha mãe nunca o permitiria e por ainda hoje não achar graça nenhuma ao Entrudo, porque ao contrário dos ditados não aceito que no Entrudo passa tudo e que no Carnaval ninguém leva a mal.

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião