Liberdade é escolher quem nos governa, é podermos discordar das pessoas e do governo, é todos podermos votar, é poder organizar concertos, manifestações, greves…, os rapazes com 18 anos não serem obrigados a ir para a tropa e participar em guerras, os rapazes estarem junto das raparigas na escola, conquistar os nossos sonhos sem ninguém nos prender, não ter medo de pensar, seguirmos os nossos ideais, as mulheres puderem viajar sem pedirem a um homem, ser um cidadão ativo com direitos e deveres, poder agir de acordo com a própria vontade sem prejudicar as outras pessoas, sabendo respeitar as individualidades e as diferenças de cada um. É gaivotas a voar dentro de nós.
As respostas são de crianças, alunos e alunas do Centro Escolar Mestre Arnaldo Malho, em Rio de Loba, na sequência do desafio lançado pela Comissão Organizadora das Comemorações Populares do 25 de Abril em Viseu. Uma verdadeira lição de liberdade e democracia.
“O dia 25 de abril significa liberdade e igualdade pois antes era a ditadura e agora é a liberdade e na liberdade somos livres como os pássaros, somos livres de argumentar”; “A história da liberdade é um bocadinho má, mas acaba bem.” Talvez por isso tenhamos de “lutar para sermos livres e felizes”. Se o símbolo da liberdade é, para quase todos, um cravo, é também “uma gaivota branca” que se canta com verdadeiro conhecimento da letra e música.
Cerca de 240 crianças, do Pré-escolar ao quarto ano, ouviram contos de Abril, pretexto para a realização de trabalhos a divulgar na Manhã Infantil que integra o programa das referidas Comemorações. Coube-me o privilégio de contar a este público fantástico os factos, as mudanças revolucionárias, a importância da liberdade bem como da evocação desta data.
Digo privilégio porque assim mesmo o sinto. Sendo docente do ensino secundário, a distância maior é, naturalmente, relativa aos mais pequeninos. Um encanto. Com a simpática ajuda das educadoras, falámos de um jardim onde mandava um jardineiro conhecido como “Botas”, que maltratava as diversas flores até ao dia em que flores especiais, os cravos, marcharam para a capital do jardim e tudo foi alterado com o apoio de todas as outras flores. Uma versão infantil deliciosa, publicada há uns anos atrás num jornal local, criação de alunos e docentes de uma escola da nossa cidade que não consigo identificar. É profunda a emoção sentida perante os desenhos das crianças. Lá está o Sr. Botas, os Pides e os cravos libertadores.
É também deleitável o registo feito por um aluno do segundo ano, após ouvir o conto de Álvaro Cunhal “Os Barrigas e os Magriços”: “ A história da liberdade é má porque uns homens muito gordos eram muito maus para uns homens muito magros”.
Recordo ainda a menina, cujo nome não fixei, que não quis abandonar a atividade sem cantar “Uma papoila crescia, crescia…”. Cantámos a Gaivota e a Grândola. Dissemos como é diferente o país depois da liberdade, a festa especial que celebramos em Abril. Os valores de Abril estão vivos nas escolas, porque os docentes assim o querem.
Em jeito de reflexão final, penso na importância extraordinária que esta transmissão dos valores de Abril assume. No final de cada sessão de conto, a mensagem reafirmada de que é preciso estar muito atento para que não volte um jardineiro Botas; é preciso votar com responsabilidade para que não regresse a ditadura, para que a democracia seja efetiva.
Terça-feira, no Rossio em Viseu, estarão expostos os trabalhos produzidos por estas crianças. Fica o convite para que não deixe de os conhecer. Para além do ganho pessoal, está em causa o contributo que a sua presença pode dar enquanto estímulo e reconhecimento de um trabalho assinalável, desafio a que outras escolas possam associar-se a esta iniciativa nos anos futuros.