Fernando Medina, ministro das Finanças, apressou-se, no final do ano, a dar ordens aos seus serviços para que abordassem os bancos, as seguradoras e até os fundos de pensões, com o intuito de recomprarem, a preços de mercado, os títulos de dívida pública, disponíveis nas suas carteiras. A operação deve ter superado os 3 mil milhões de euros.
De caminho, deu indicações ao sector empresarial do Estado para que desse fogo à peça no pagamento antecipado das suas dívidas e à antecipação de resultados, sem deixar para trás a regularização das dívidas do Serviço Nacional de Saúde aos seus fornecedores.
O excesso de liquidez, beneficiando da subscrição anormal dos Certificados de Aforro, e a luz verde da União Europeia para o desembolso, ainda em 2023, da 3.ª tranche do PRR, ajudaram ao novo objectivo: baixar a dívida pública dos 3 dígitos.
António Costa já deveria ter sinais que acomodavam esse propósito, quando, ao sair do último Conselho Europeu do ano, afirmou: “se pudéssemos já ficar abaixo dos 100%, era obviamente bom para o país”. Provavelmente, empurrado pelo entusiasmo, não foi capaz de guardar o segredo. Se o objectivo for conseguido, e tudo aponta para que assim seja, fica longe 2009, o último ano em que, pela última vez, rufaram os tambores para a celebração de igual festim. Em política, 14 anos são uma eternidade.
Este feito das contas certas e dos cofres cheios, considerado até há pouco uma coutada da direita, deve ser creditado a este governo. De uma assentada, a redução da dívida e o excedente orçamental, mesmo que obtidos à custa da enorme carga fiscal, do empobrecimento das famílias, do caos nos serviços públicos, do desastre na habitação, da redução do investimento, é uma façanha que justifica registo. Factos são factos. Mas, atenção, fazer das contas certas um dogma e um fim em si mesmo é perigoso, é abrir uma perigosa avenida para a ditadura do orçamento.
E como, em Portugal, nem tudo são rosas nem há jardins de felicidade, pode até pôr-se em causa o critério usado na aplicação do inesperado dinheiro a mais nos cofres. O ministro optou por colocá-lo ao serviço da redução da dívida, prejudicando o aumento dos apoios sociais às famílias mais vulneráveis, logo agora que acabou o IVA zero no cabaz alimentar, que vai subir o preço da energia, que se antecipa o mesmo para os combustíveis, que o custo de vida não pára de aumentar.
Medina preferiu o brilharete, o fogacho do feito histórico, em vez de dar a mão aos mais pobres. Foi uma opção, legítima, mas questionável. E não era uma décima a menos no saldo que iria fazer tremer a fotografia. Talvez não compense ter os cofres cheios e o povo à míngua. Mas não há mesmo governante que resista a uma vaidadezinha, até a mais fútil.
Há quem defenda que a dívida pública é para se pagar e quem sublinhe que não, que ela é apenas para gerir. Subscrevo esta segunda posição, contanto que os montantes se fixem em limites razoáveis, não pondo em causa o fim dos dinheiros públicos, que é enquadrar soluções que resolvam problemas.
Quanto ao futuro, e mantendo-se esta trajectória, que é bem-vinda, conquanto não seja fundamentalista nem atreita a males de extremos, importa que a economia, a fiscalidade, e as questões sociais, saúde, educação e habitação, não percam centralidade nas opções do novo governo, seja ele de centro-direita ou de centro-esquerda.
Caso assim não suceda, poderá acontecer-nos o mesmo que ao burro do cigano. Quando o cigano quiser ir ao mercado montado no jumento, o burro, de tão espremido, estará morto.