O Informático Motard não é ciclista de se ficar por uma subida da serra se puder fazer duas. Assim, ao planear a semana, encontrou a sexta-feira quase livre. Saindo de carro às nove, pedalando três horas e meia a partir de Seia e regressando à Bairrada após um almoço frugal no Sabugueiro, seria possível estar às seis em casa para cuidar dos filhos. Feito um inquérito, resultou encontrarem-se disponíveis o Vendedor, o Rúben e este vosso criado, escrivão em serviço de reportagem. O Informático Ferroviário tinha trabalho, o Físico férias, o Periglicófilo um cotovelo zangado e o Jorge o aniversário do pai. Fomos, portanto, quatro, embora nem todos da mesma maneira. O Rúben saiu às sete, de bicicleta, e chegou a Seia já com cem quilómetros de viagem, onde confluímos com cinco minutos de diferença.
A escrita amena não pode dar a noção do esforço, nem isso seria preciso, não fosse o caso de haver pessoas num piquenique, às duas da tarde, quando o calor faz escorrer o suor nos braços. Esses cidadãos, protegidos pela sombra, tendo talvez um bolinho de bacalhau numa mão e um copo de vinho na outra, olharam-nos da maneira que puderam, misturando três sentimentos: comiseração, inveja e admiração. Nesse troço inclinado, difícil, perante o entusiasmo do Informático Motard, recomendei método e até lhe atribuí uma velocidade entre 7,3 e 7,6 quilómetros por hora. Que precisão! Claro que o Rúben estava livre desta restrição, e por isso andava para cima e para baixo, cumprindo a função que o Jorge realizara na semana passada.
Voltámos a comparar as dificuldades deste itinerário com o que passa ao largo de Loriga. O Informático Motard insiste em considerar mais difícil o caminho por Seia. O Vendedor não se pronuncia. Eu, mesmo ofegante, mantenho uma memória vívida dos catorze e dezasseis por cento de Loriga.
Foi com satisfação que chegámos à esquina da Lagoa Comprida. Rimo-nos da ingenuidade com que nos alegrámos, na primeira vez, ao ver as bolas que, à distância, mostram o ponto de chegada.
Os últimos quilómetros tiveram um desenlace engraçado e, para mim, o mais inesperado de todos os que poderia conceber. O Informático Motard reganhou o entusiasmo do esforço. Depois, foi o Vendedor que marcou a cadência e lhe deu força. Por instantes, o Informático Motard deixou-se ficar vinte metros para trás. O Rúben foi buscá-lo. Eu não sabia o que pensar nem o que fazer. Por mim, iria na paz do Senhor até à Torre, mas nem o Vendedor nem o Informático Motard queriam lá chegar folgados. Ora aceleravam, ora abrandavam. Quando aceleravam, cansávamo-nos; quando abrandavam, descansávamos. Uma coisa era má, a outra era boa. Até na rampa que antecede a Torre esta inconstância se manteve. Faltavam quinhentos metros quando o Informático Motard acelerou. Faltavam quatrocentos quando abrandou. Faltavam trezentos quando voltou a acelerar e duzentos quando tornou a abrandar. Aqui, eu disse mais ou menos assim:
– Ó Telmo, assim não dá! Não sei se me devo preparar para repousar ou sofrer. Vamos a isto!
E, para minha surpresa, levantei-me do selim e, nessa bela inclinação de dez por cento, fui aos quinze quilómetros por hora. Exauri-me em cem metros. Sentei-me e sofri os últimos cem, o coração a pulsar como os bombos dos Zés P’reiras e as pernas a rirem-se dele.
O Rúben passou por mim. O Informático Motard e o Vendedor chegaram logo a seguir. Voltei a pensar no grupo que comia e repousava no refrigério do arvoredo. Alguém deve ter dito qualquer coisa elogiosa, porque um homem, querendo baixar os nossos créditos, disse:
– Claro que aquelas bicicletas também não são de vinte euros.
É fácil, não é, seu desgraçado?!