Quando nos meus verdes anos entrei em Lisboa, deixando para trás o sebento Trancão a primeira tarefa que abracei foi namorar com uma pequenota, filha de um futuro deputado do PPD, eu com o emblema da UDP, amando no elevador, e ele, rúbio, a esbracejar.
A minha sobrinha profetizou logo que a “coisa” não ia dar, porque eu era muito rural, carregava muito nos “s”. Cinquenta anos depois, ressuscitou-se o estigma, e logo pelas palavras de quem não era suposto tal idiotice acontecer.
Após o foguetório abrilista, foi a semana de todas as confusões, no topo da austera e grave pirâmide. Há dias assim, por mais que se queira, não sai nada de jeito. Parece que o cérebro é uma tertúlia de fantasmas e um concílio de bruxos. Tudo sai num desatino. Quando assim acontece, é prudente convocar a contenção para nos guiar nos raciocínios e nos acompanhar nas saídas. Mesmo que essa regra limite e condicione a nossa tendência para sermos o centro das atenções.
É doença, dirão uns, é vaidade, avançarão outros. É vício, acrescentarei eu. Pois bem, o mal atacou Marcelo, e deu-lhe forte. Devendo estar recatado, desatou num chorrilho de (des)considerações, absolutamente impróprias para um chefe de Estado, relativamente a pessoas que são, ou foram, detentoras de cargos superiores na política e na magistratura. Deu-se a preparos inconvenientes, apondo adjectivos desconsiderados às suas companhias institucionais. Num encontro com jornalistas correspondentes, soltou a língua afiada, e, destilando um veneno sofisticado, desbocou-se, mostrando o tique das elites modernas, geradas no útero de Abril, a superioridade e a impunidade. Que Montenegro tem comportamentos rurais, sem especificar, contudo, o que são, em que se traduzem e o que é que isso interfere na governação do país. E logo veio Maria Manuel, edil do território, ciosa das suas origens, retorquir, num abanico emplumado, que Espinho nada tem de rural, sacudindo o pó da terra, como se a ruralidade fosse peçonha. E, incomodada, num provincianismo bacoco e estéril, a senhora foi por aí adiante, impante nas lantejoulas, contrapondo que Espinho era terra de escritores, banqueiros e de casino, e “de ruralidade não tem nada”, como se essa condição fosse por si vetusto pergaminho.
Igual rabecada assentou em Lucília Gago, considerando maquiavélica a instauração do inquérito ao caso das gémeas no dia da demissão de Costa, deixando no ar a suspeição de propósitos de pouca ética e menor lisura. Talvez a digerir mal as suspeitas que ainda impendem sobre si num putativo tratamento de favor dado às meninas brasileiras, ripou na PGR e desfez-se do filho, num gesto de patriota e defensor supremo do Bem, trazendo para a praça pública questões familiares. Evitáveis, porque o português não tem que saber dos seus atavios domésticos.
Compreendo que movimentos vanguardistas, buliçosos militantes de um iluminismo invertido, desfraldem a bandeira dos temas fracturantes, mas ser o PR um seu adepto fervoroso sabe-me a carúncula tumoral. Talvez cansado, talvez irritado, talvez desiludido, talvez tudo ao mesmo tempo, o Presidente da República anda desapegado do equilíbrio, até algo destemperado, pisando chãos que não eram os seus. Está a faltar-lhe qualquer coisa, um “je ne sais quoi”. Anda a criar um ruído desnecessário e a transformar em alvoroço questões que estavam bem resolvidas na sociedade portuguesa. Para quê criar atritos, alimentar desavenças e desenterrar ódios?
Quando as sondagens não andam pelo melhor, e para que em 2016 saia com dignidade do cargo, alguém devia dizer a Marcelo que o tempo de tocar às campainhas das portas já lá vai.