África: da inspiração ao lixão

A indústria da moda é eminentemente poluidora, responsável por 2 a 8 % das emissões de gases com efeito de estufa e 9% dos microplásticos despejados, anualmente, nos oceanos, consome 215 biliões de litros de água por ano e menos de 1% do material usado para produzir roupa é reciclado. O contente africano, que serve de inspiração à indústria da moda, paga um preço altíssimo porque 70% da roupa usada no mundo é para lá enviada “ganhando uma segunda vida”.

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  • 14:49 | Quinta-feira, 14 de Julho de 2022
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Gabriela Pinheiro, na secção de MODA da revista E (Expresso) diz-nos que o “continente africano é uma grande manta de retalhos que junta várias culturas e tribos e essa diversidade é uma fonte inesgotável de inspiração para o mundo da moda.” Uma inspiração que resulta quando “misturada com referências urbanas”. Estas peças únicas conquistam as “mais sofisticadas tribos urbanas”. As tribos urbanas alimentam a indústria da Fast Fashion, a moda descartável que impulsiona e responde ao apelo desenfreado das catedrais do consumo. “Cada pessoa, pelo menos em espírito, tornou-se um hiperconsumidor.” (Gilles Lipovetshy)

A indústria do têxtil gera 2,4 biliões de dólares por ano e emprega mais de 300 milhões de pessoas (The United For Alliance Sustainable Fashion). A indústria da moda é eminentemente poluidora, responsável por 2 a 8 % das emissões de gases com efeito de estufa e 9% dos microplásticos despejados, anualmente, nos oceanos, consome 215 biliões de litros de água por ano e menos de 1% do material usado para produzir roupa é reciclado. O contente africano, que serve de inspiração à indústria da moda, paga um preço altíssimo porque 70% da roupa usada no mundo é para lá enviada “ganhando uma segunda vida”.

A Grande Reportagem, num trabalho da jornalista Amélia Moura Ramos e do repórter de imagem Paulo Cepa, visitou o maior mercado africano de roupa em segunda mão e testemunhou os efeitos devastadores do consumo desenfreado da moda descartável. Um problema ambiental, social e humanitário. A fast fashion alimenta toda uma cadeia de roupa em segunda mão. Compramos quantidade sem qualidade, usamos pouco (ou nem chegamos a usar) e deitamos fora rapidamente ou colocamos, aliviando as nossas consciências, num dos contentores espalhados pelo país.


Uma empresa de Braga, a Ultripo, procede à recolha periódica, faz a triagem e envia os fardos para países africanos. 7 milhões de quilos de roupa por ano transportados em 3000 contentores. O CEO, Jan Karis, não revelou (o segredo é a alma do negócio) o preço de cada fardo. Há alguns anos a “roupa do brancos mortos” chegava aos mercados africanos com tanta qualidade e em quantidade que os seus recetores pensavam que os seus anteriores donos tivessem morrido.

Agora, as vendedoras compram os fardos às cegas, não sabem o que a sorte lhes reserva, não raras vezes compram “lixo”. “O têxtil do homem branco já não é o que era”, 90% tem origem na fast fashion. De fraca qualidade na origem, será fácil de imaginar como chega depois de usado aos mercados como o de Kantamanto no Gana (segundo maior importador de roupa usada, depois do Paquistão), onde chegam semanalmente 15 milhões de peças de roupa usadas.

A “caridade da roupa”, na verdade, é um negócio de milhões que mais não é do que despejar o “lixo dos ricos no quintal dos pobres”. Também no Gana foi instalado um dos maiores “cemitérios eletrónicos” do mundo, um dos locais mais poluídos do planeta. É impossível ficarmos indiferentes aos escaladores, apanhadores de lixo, que procuram plástico, cartão, metais, no lixão de Nope, na guerra diária pela sobrevivência.

Não é difícil de compreender o que motiva muitos homens e mulheres a arriscarem as suas vidas na travessia oceânica com destino à Europa.

 

(Fotos DR)

 

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Publicado em Opinião