Em 2016, reunindo todos os poemas que havia escrito nas quatro décadas anteriores e que circulavam em volta do Tempo, olhei para a estante onde tenho umas centenas de livros de autores transmontanos e bati na lombada do livro de Adriano Moreira – Tempo de Vésperas.
Assaltei-o na sua criação. Os meus poemas também passaram a ser Tempo de Vésperas (Afrontamento Editores).
De Adriano Moreira, como de tantos autores que partilham o berço transmontano com a minha pessoa, retirei a razão de ser desta nossa circunstância, encontrei os caminhos que nos levaram a Lisboa, ao Brasil, a França e nos confirmaram mais do que meros seres, que certificaram a capacidade de falarmos com Deus. Os transmontanos sempre falaram com Deus, todos os deuses, como Miguel Torga ou António Pires Cabral nos ensinaram.
Mas quem é Adriano Moreira para mim? Falei com ele uma dezena de vezes, ouvi-o outras tantas e li-o centenas nos seus ensaios, nas suas aulas e, em especial, nos seus textos de jornal. Talvez seja por isso que tenho do Professor uma visão diferente de todas aquelas que já li escritas, quase sempre por aqueles que com ele conviveram.
Moreira é o pensador da organização administrativa do Estado. Quando ele nos aconselha na organização política, no accountabilty, está a construir um manancial de ferramentas que um qualquer quadro da Administração não pode alijar.
Este tempo de doutor em ciências da administração situou-se no pós-guerra e veio até à década de 1960. Portugal observava uma espécie de trabalho a quatro mãos em que Marcello Caetano construía o Direito Administrativo e Moreira o levava à prática numa visão transcendental.
Quando falo com alguns dos que foram seus alunos, a primeira confirmação que me transmitem é muito prosaica – Adriano Moreira detesta cavalgaduras! Bem o compreendo. Terá sido, sempre, uma das suas marcas, o não ter interesse pelo habitualismo. Talvez essa caraterística o tenha levado tão longe na negação das regras arcadianas ao aceitar a tese de doutoramento de Ângelo Correia, ex-ministro, sobre Estratégia que nem uma só regra da academia confirmava. O atrevimento intelectual aparece-nos sempre recompensado pelo Professor.
Olho agora para o ministro de Salazar e entro na sua cabeça. Moreira foi sempre um conservador, um militante da Doutrina Social da Igreja. Mas também foi um homem do seu tempo. Olhar para a sua posição sobre as Colónias, como se lhe exigíssemos uma profunda reforma assente na nossa visão hodierna dos direitos dos povos, é reivindicar uma espécie de anacronismo histórico.
Moreira cruza-se no meu imaginário com Eduardo Lourenço e António Almeida Santos. Lourenço foi sempre um português que se negou na sua pequenez e foi analisar o seu país de fora. Moreira nunca deixou de analisar o seu país e o seu povo por dentro, de dentro. As suas visões são uma continuidade lógica, são um silogismo permanente. O beirão filósofo faz o diagnóstico e o transmontano jurista concretiza a terapêutica.
Com Almeida Santos há uma outra ligação. Ambos anteciparam e alertaram para a globalização, para a necessidade de não se deixar ninguém para trás. Santos fica na relação do ambiente com o Homem; Moreira desvenda-se na relação do homem-mundo consigo mesmo.
Navegando num dos territórios intelectuais, os Oceanos, olhamos para Adriano Moreira na sua imensidão. Imensidão na inventariação de novos problemas, identificação de questões escondidas, enunciação de caminhos iluminados. São Oceanos físicos e são oceanos mentais.
Mas há uma caraterística que, na sua aparente frieza pública, importa relevar. Não gosto da palavra “tolerância” porque ela encerra em si uma posição superior de alguém, mas neste momento não encontro outra melhor. O Professor Adriano Moreira só pode ter sido um profundo democrata, um tolerante irmão, marido e pai. Nele estão todos os mundos que se alargam ao entendimento familiar da militância comunista; nele estão todos os sentidos de afeição e de carinho na concordância discordante das leituras políticas de Isabel, sua filha. Se tudo o que já dissemos não fosse enorme, bastaria este seu ser e estar para o fazer colossal.