O homem endoudou de vez. Julgava eu que após a baixa médica estivesse um farrapo, um trapo de limpar o pó, mas enganei-me, ele aí está, presunçoso e pedante, à boleia da temperança lusitana que tudo atura e aceita, num sossego que mete dó. E mostra-se velhaco, numa animosidade incompreensível, não economizando na estupidez que sobra da jaqueta apertada, inconvenientes que lhe chegam das esterqueiras clandestinas.
Não contente com o rapinanço miserável a que se dedicou, utilizando respeitáveis espaços públicos como acoito dos seus crimes e armazém dos produtos desviados, o senhor Arruda deu-lhe agora para a excentricidade indecente e sabuja. Replica nos actos reprováveis o destrato que acompanha a sua nada cuidada aparência.
Sacudido por todos, atirado para a última fila do hemiciclo, onde sem vergonha assenta as nádegas e lambe as feridas de um comportamento indigno, encontrou na divergência tacanha a melhor forma de se fazer notado.
Decididamente, a literatura e as artes não serão flores do seu jardim, nem matéria que ocupe os seus neurónios mais virados para marginalidades e interditos.
Votou contra só porque sim, por birra ou amuo, talvez porque algum bonecreiro lhe tenha soprado aos ouvidos, a querer ser bandeira de uma cousa sem nexo.
A par da indigência cultural, que exibe e ostenta, repugnou-me o gesto que acompanhou o seu sentido de voto. A saudação nazi que ele, atabalhoadamente e sem razão, quis dividir com outros colegas, em situações análogas.
Açoitado até pelos conterrâneos, sempre pensei que a triste figura se retirasse do parlamento, emigrasse para os Estados Unidos, e refizesse a sua vida no que dizem ser o país das oportunidades. Nunca supus que tivesse o atrevimento e a desfaçatez de regressar, com modos de quem não aconteceu nada, de quem não foi nada com ele, é tudo uma cabala, obra da Inteligência Artificial.
Se já não simpatizava com o homem – achei-o sempre tosco, mal encavado, grosseiro, sem maneiras e abrutalhado – o cumprimento nazi enojou-me. Há limites para tudo e a memória não prescreve. A democracia, em nome da tolerância, não pode, não deve pactuar com comportamentos que a aviltam e que, a breve trecho, a conduzirão ao patíbulo.
Os regimes democráticos não podem ser brandos para com os lobos que vestem a pele de cordeiros, para com quem se aproveita da sua benevolência, nem para com aqueles que espreitam a oportunidade para imporem uma nova ordem, respaldada no desfazer dos direitos humanos e da cidadania.
Os Arrudas deste país, pela ideologia que escondem, defensores do autoritarismo, do varapau e do cassetete, não deveriam caber no edifício da democracia.
Que os sumos sacerdotes nos livrem da tralha que invocando o nome da família em vão se distrai com oralidades leitosas.