Uma das grandes conquistas do Estado de Bem Estar Social foi a criação de sistemas púbicos de pensões. Assente sem descontos obrigatórios para uma “conta” que o Estado guarda e gere, os sistemas têm provado em toda a Europa e num conjunto de outros países onde o modelo europeu se afirmou.
A partir da década de 1980, os gurus da banca iniciaram o assalto a estes recursos. Primeiro criaram planos complementares onde cada pessoa constituía um alforge para a sua velhice e, já no final do século passado, começaram a questionar os sistemas públicos colocando em causa que as gerações vindouras viessem a ter uma “reforma”.
O argumentário parte de uma linha ideológica muito afirmada pelos neoliberais – a da total ausência de comunidade, o salve-se quem puder a pretexto de uma falsa liberdade individual.
Fomos tendo um regime em que tudo era idílico, até que deu um péssimo resultado.
Nos últimos tempos voltamos a ouvir falar na sustentabilidade da Segurança Social. Tudo porque o Governo, depois de receber o Livro Verde que analisa o estado do sistema público de pensões, não quer robustece-lo, antes fragilizá-lo, como aconteceu com Durão Barroso e Pedro Passos Coelho.
A pergunta que se pode fazer é a seguinte: – o sistema público de pensões está em crise? A resposta é do próprio Livro Verde que indica que não, que temos uma situação folgada até próximo da década de 2070.
No debate em aberto foi introduzido um “estafermo” que não faz qualquer sentido. Dizem os críticos que, se juntarmos os regimes do Centro Nacional de Pensões e da Caixa Geral de Aposentações, já teremos contas no negativo.
A isto se chama ser “má rês”. O regime da Caixa Geral de Aposentações só foi contemplado com descontos dos seus beneficiários a partir do governo de Cavaco Silva e, a partir da primeira década deste século, os novos funcionários públicos passaram a integrar o regime geral da segurança social. Ou seja, para os antigos o Orçamento do Estado obriga-se a compensar, para os mais recentes o sistema é igual seja público ou privado.
Não podendo seguir pela via do medo quanto à debilidade dos sistemas somados, saíram da toca outras considerações. A mais relevante é a das reformas antecipadas.
Em primeiro lugar, são relativamente poucas as situações em que se verifica a “reforma” com menos tempo do que o previsto na lei; em segundo lugar, o sistema é de tal forma penalizante que desmotiva qualquer pessoa a reformar-se sem ter a idade legal.
Nada melhor do que indicarmos o nosso próprio exemplo. Diz o simulador da Segurança Social que se eu decidir reformar-se aos 63 anos de idade, com 45 anos de descontos, terei uma penalização mensal de 35,9%. Perante este cenário não se pode esperar que haja uma fila imensa de pedidos que não resultem de situação de doença ou de desemprego prolongado.
Os economistas não são pessoas muito flexíveis. Os modelos que são usados não nos dizem muito perante a realidade da vida. É aqui que entra a condição ceteris paribus que, em linguagem simples, quer dizer que nos deveríamos abstrair de um vasto conjunto de variáveis mantendo-as “estáticas”.
Para quem olha a aceleração da tecnologia e consegue prever as novas realidades societais, o Estado Social vai ter transformações profundas nos decénios vindouros.
É válida, por isso, a proposta do Livro Verde que avança com a previsão de que a responsabilidade das empresas deixe de ser a partir do número de trabalhadores e passe a ser através do Valor Acrescentado Líquido. Esta medida “engloba, além da remuneração do trabalho, o valor agregado das diversas formas de remuneração do capital”.
O Livre Verde demonstra, porém, falhas muito importantes na apreensão do mundo das próximas décadas. A primeira falha é a que desgradua mais as suas propostas – Portugal não pode ter uma opção sobre o futuro da Segurança Social se esta não for integrada numa visão unitária a partir da União Europeia; a segunda falha, é a que nega novas formas de trabalho e de exploração que, aos dias de hoje, estão completamente desreguladas – o novo petróleo chamado de economia de dados.
Ora, é exatamente para este universo que quem estuda a Segurança Social deve olhar. A nova economia tem de construir uma métrica que determine o valor entre empresas e usuários que partilham os dados e daí advir o financiamento para que se possam pagar as novas realidades do trabalho, do desemprego e do ócio e ainda as reformas futuras. Só os países que criaram e vivem o Estado Social têm condições para inovar nesta matéria.
Os “donos” dos dados não vão gostar nada de serem menos ricos, mas o grande bloco, que é a União Europeia, ainda tem todos os argumentos necessários para ganhar o jogo.
Ascenso Simões
Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional