Habituámo-nos a dar por garantido o conhecimento.
Como se por geração espontânea a ventilação assistida – que salva vidas quando os pulmões se afogam de covid – tivesse aparecido sozinha nos manuais de medicina intensiva.
Não.
Não há o milagre do conhecimento.
Quase tudo o que damos por adquirido – da anestesia que nos poupa sofrimentos medievais à bica extraída sob pressão na vulgar máquina do café, tudo, mas mesmo tudo, é fruto dessa aventura humana de séculos, perdida no tempo, chamada conhecimento.
O conhecimento tem lugares, regras, rituais, histórias, protagonistas, tradições e acasos. É um caminho rico e verdadeiramente precioso.
Tem momentos caricatos – e só me ocorrem as cerimónias de doutoramento e os estranhos chapéus que assinalam a douta sapiência – tem momentos de epifania, e lembro-me de Elvira Fortunato e dos seus écrans de papel, e tem momentos de cumprir calendário – com ziliões de trabalhos que não interessam nem ao menino jesus e ocupam terabytes de memória com destino ao esquecimento.
Vem isto a propósito de um paradoxo que me aflige, ano após ano, desde que levo a minha filha mais nova à escola D. Dinis.
Numa especial Casa de Conhecimento- a ESECS – onde se formam os futuros professores, no início do ano lectivo, um espectáculo dantesco repete-se dia após dia, logo pela manhã muito cedo.
Grupos de estudantes da Escola Superior de “educação” organizam-se, num frémito de excitação que lhes dá uma energia de abelhas em colmeia, alimentadas por essa química do poder, o pequeno poder.
Dia após dia, adultos e crianças e jovens passam pelo exterior desta Escola Superior de “educação” e assistem impotentes ao triste espectáculo que – a acontecer dentro do recinto da escola é assim ”chancelado”, como “coisa oficial” à qual nada se pode opor.
É triste, extraordinariamente triste, que na Casa do Conhecimento floresça a vergonha. A vergonha de usar a humilhação para “acolher” quem chega de novo.
A praxe precisa do esforço colectivo e pedagógico de dizer não!
Não é assim que se acolhe, não é assim que se integra, não é assim que se dá o exemplo, não é assim que se inicia um percurso na Casa do Conhecimento e não é assim que se honra nenhuma tradição.
Todos os dias que ali passamos, peço à minha filha para não olhar.
A impotência de não poder terminar com a ignomínia, sempre me envergonhou.