A barrela

Ainda assim, esperava-se um pouco mais. Os programas são tacanhos e trôpegos, inexequíveis na sua maior parte, vagos o bastante para não serem um compromisso, nem uma linha de refrescamento ou de rasgo. E os líderes, nem um só com carisma, brilhante, galvanizador, que acrescente e faça acreditar. Todos insulsos, mornos.

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  • 17:18 | Segunda-feira, 14 de Abril de 2025
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Há uns anos que o penso, e os acontecimentos e comportamentos coevos têm-me dado razão. Não que me sinta satisfeito com essa confirmação, antes pelo contrário, bastante desiludido e muito resignado. Desiludido, porque a racionalidade induzia uma expectativa benévola, mesmo moderada, resignado, porque não vejo jeitos de melhoras numa doença, que caminha para ser crónica.

Quanto a maus exemplos, atitudes chãs e passados de vergonha, não vejo nos partidos em presença qual deles possa escapar a um juízo censório e francamente crítico, até mesmo a uma certa repulsa.

Quem se atreve a atirar a pedra, sem medo de ela fazer ricochete, castigando os interstícios das partes mais frágeis e fertilizantes? Todos têm telhados de vidro. Até Rui Tavares, que eu tinha em boa conta por andar a correr em pista própria, fazendo uso de uma agenda à margem do estafado menu de uma casa de pasto à beira do trespasse, caiu na esparrela dos ataques pessoais, um beco de piso oleoso, cavalgando a onda fácil do que a comunicação tão bem sabe explorar para garantir a venda de mais exemplares.

Tentado pelos votos, ei-lo, como os demais, a levantar a voz, a subir os degraus da maledicência, da intriga, da dúvida, de amizades com o parente próximo do insulto. Triste. E eu que o cuidava diferente, para melhor, assertivo, abonado de razões e fundamentos, dei por mim descoroçoado, por o ver igual a outros, émulo dos autores de apócrifas proposituras, espelho dos derrotistas e dos fandangueiros lustrosos.


Deste cortejo de enfermos, mancos e moucos, talvez se livre o PCP, conservador, ortodoxo e comedido, alérgico aos foguetes de estoira e pouco dado a injúrias.

Talvez por as últimas eleições terem sido há tão poucos meses, não houve tempo para emoldurar novas ideias e requintar outras promessas, nem para “fabricar” rejuvenescidas e viçosas lideranças, livres de puses e peçonhas, vícios e clientelas, de aparelhados e compadres, capazes de seguirem a eito, rompendo com erros, rotinas, poeiras e teias de aranha.

Ainda assim, esperava-se um pouco mais. Os programas são tacanhos e trôpegos, inexequíveis na sua maior parte, vagos o bastante para não serem um compromisso, nem uma linha de refrescamento ou de rasgo. E os líderes, nem um só com carisma, brilhante, galvanizador, que acrescente e faça acreditar. Todos insulsos, mornos. E sobre o que importa – sistema eleitoral, crescimento e competitividade da economia, como enfrentar este tempo de terrível incerteza, menos e melhor Estado, disponibilidade para acordos de regime – um vazio incomodativo, um silêncio de defuntos.

Pelo andar da carruagem – sendo os mini-debates um mau, mas elucidativo prenúncio -, está claro que a campanha eleitoral vai ser uma enorme barrela, todos afadigados a quererem lavar impurezas e sujidades. Sem ninguém a preocupar-se verdadeiramente com o país, com o karma que o atormenta e o reduz – praga que nos rogaram? -, mais interessados, por igual, no modo – mais camuflado ou mais exposto – com que hão-de conquistar os indecisos e fixar os crédulos no imaginário conto de fadas.

Por mim, está decidido: votarei em quem, não prometendo sol na eira e chuva no nabal, eu sentir ser capaz de fazer a diferença. De romper com os instalados. De interromper os hinos da revolução. De não governar em função dos ciclos eleitorais. De ter pouco jeito para festanças e palhaçadas. De, com naus e mareantes de qualidade, dobrar o Cabo Bojador. De se aliviar dos Velhos do Restelo, sempre agarrados às conezias, sôfregos de tribunecas. De ter uma visão estratégica para o país.

Se o não lobrigar, voto em branco. É o meu protesto. Estou cansado desta trapalhada fedegosa, que serve uns tantos vaidosos, outros tantos arrivistas, e muitos outros cabotinos.

Uma fanfarra de simpáticos sazonais, uma filarmónica de enfadonhos petulantes.

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Publicado em Opinião