Há uns anos que o penso, e os acontecimentos e comportamentos coevos têm-me dado razão. Não que me sinta satisfeito com essa confirmação, antes pelo contrário, bastante desiludido e muito resignado. Desiludido, porque a racionalidade induzia uma expectativa benévola, mesmo moderada, resignado, porque não vejo jeitos de melhoras numa doença, que caminha para ser crónica.
Quem se atreve a atirar a pedra, sem medo de ela fazer ricochete, castigando os interstícios das partes mais frágeis e fertilizantes? Todos têm telhados de vidro. Até Rui Tavares, que eu tinha em boa conta por andar a correr em pista própria, fazendo uso de uma agenda à margem do estafado menu de uma casa de pasto à beira do trespasse, caiu na esparrela dos ataques pessoais, um beco de piso oleoso, cavalgando a onda fácil do que a comunicação tão bem sabe explorar para garantir a venda de mais exemplares.
Tentado pelos votos, ei-lo, como os demais, a levantar a voz, a subir os degraus da maledicência, da intriga, da dúvida, de amizades com o parente próximo do insulto. Triste. E eu que o cuidava diferente, para melhor, assertivo, abonado de razões e fundamentos, dei por mim descoroçoado, por o ver igual a outros, émulo dos autores de apócrifas proposituras, espelho dos derrotistas e dos fandangueiros lustrosos.
Deste cortejo de enfermos, mancos e moucos, talvez se livre o PCP, conservador, ortodoxo e comedido, alérgico aos foguetes de estoira e pouco dado a injúrias.
Talvez por as últimas eleições terem sido há tão poucos meses, não houve tempo para emoldurar novas ideias e requintar outras promessas, nem para “fabricar” rejuvenescidas e viçosas lideranças, livres de puses e peçonhas, vícios e clientelas, de aparelhados e compadres, capazes de seguirem a eito, rompendo com erros, rotinas, poeiras e teias de aranha.
Ainda assim, esperava-se um pouco mais. Os programas são tacanhos e trôpegos, inexequíveis na sua maior parte, vagos o bastante para não serem um compromisso, nem uma linha de refrescamento ou de rasgo. E os líderes, nem um só com carisma, brilhante, galvanizador, que acrescente e faça acreditar. Todos insulsos, mornos. E sobre o que importa – sistema eleitoral, crescimento e competitividade da economia, como enfrentar este tempo de terrível incerteza, menos e melhor Estado, disponibilidade para acordos de regime – um vazio incomodativo, um silêncio de defuntos.
Por mim, está decidido: votarei em quem, não prometendo sol na eira e chuva no nabal, eu sentir ser capaz de fazer a diferença. De romper com os instalados. De interromper os hinos da revolução. De não governar em função dos ciclos eleitorais. De ter pouco jeito para festanças e palhaçadas. De, com naus e mareantes de qualidade, dobrar o Cabo Bojador. De se aliviar dos Velhos do Restelo, sempre agarrados às conezias, sôfregos de tribunecas. De ter uma visão estratégica para o país.
Se o não lobrigar, voto em branco. É o meu protesto. Estou cansado desta trapalhada fedegosa, que serve uns tantos vaidosos, outros tantos arrivistas, e muitos outros cabotinos.
Uma fanfarra de simpáticos sazonais, uma filarmónica de enfadonhos petulantes.