O que de há em comum entre a cidade francesa de Pau no sudoeste de França, na base dos Pirenéus e a cidade de Seattle no nordeste dos EUA, porta aberta para o Alasca?
Nem o frio…
Recordo com nitidez aquela distante madrugada da década de 60 em que um amigo da minha família, o dr. Fausto Xavier de Sá foi levar o meu pai à estação de Mangualde para apanhar o Sud Express para a longínqua França. Lá seguimos no Opel Olympia do farmacêutico, o meu pai, minha mãe e eu. Levava uma pesada mala e a despedida foi pungente…
O meu pai ia trabalhar para o Consulado de Portugal em Pau, entretanto extinto e acabou por rumar a Paris onde trabalhou no Consulat Général de Portugal à Paris, Rue Edouard Fournier, Paris XVI è.
O escasso tempo que ainda permaneceu em Pau deixou-o relatado em cartas para minha mãe onde escrevia sobre as sub humanas condições de vida dos milhares de emigrantes portugueses que aí viviam clandestinamente — tinham ido de “assalto” — em miseráveis “bidonvilles“, os bairros de lata construídos com o material dos bidons de combustível. Sem água potável, electricidade, esgotos, aguentavam-se num lamaçal gelado e fétido no inverno e num inferno tórrido no verão.
A boa massa de que eram feitos, a qualidade do seu sisifiano trabalho e o desejo de darem um pontapé na “macaca” mudaram radicalmente o destino destes corajosos milhares de homens que, uma década após estavam integrados, tinham uma vida digna e começavam a acumular, em Pau e outros pontos de França, nomeadamente no 91, subúrbios de Paris, a riqueza que tão importante foi para a economia portuguesa na década de 80.
50 anos depois, em Seattle, cidade portuária sede do condado de King, no estado de Washington, a 23ª cidade mais populosa do país cuja área metropolitana tem 4 milhões de habitantes, a 15ª maior dos EU, de onde saíram nomes como Ray Charles, Quincy Jones, J. Hendrix, os Nirvana, Pearl Jam…. uma cidade que floresceu com a construção naval, com a construção de aeronaves da Boeing, um centro tecnológico de internet, biotecnologias, softwares, indústria verde e exemplo do desenvolvimento sustentável… tem hoje milhares de sem-abrigo a viverem em sub condições miseráveis nas chamadas “Tent City3”, em zonas suburbanas demarcadas, cujo perfeito da cidade, Ed Murray, obriga a uma periódica mobilidade.
Estes milhares de novos-pobres, também efeito do crash de 2008, ao contrário dos milhares de portugueses, na França de 60, não têm perspectivada uma mudança para um futuro melhor. Serão uma nova e crescente população nómada e marginal, a viverem em campos circunscritos, balizados e vigiados pelas autoridades, os novos ghettos do século XXI, em constante deslocalização.
Estas duas distintas e próximas realidades, cujos efeitos e causas dariam para muitas teses de doutoramento, verdadeiros study cases mundiais, representam, no primeiro caso as consequências do subdesenvolvimento e pobreza de um país fechado sobre si mesmo, “orgulhosamente só” e com uma população maioritariamente miserável, oriunda do interior do Portugal agrário e com condições de vida de extrema precariedade.
No segundo caso, são exemplo da falência do “sonho americano”, de um país que se proclama de maior potência mundial, onde as assimetrias sociais são cada vez mais evidentes e onde, calamitosa e gradualmente, todos os dias, aumentam estas novas tribos de nómadas, sem futuro, sem esperança, marginais de uma gold society que só entreverão de longe, através das paredes de arame que os separam, à força, prisioneiros sem crime nem prisão, das torres iluminadas do sucesso de uma minoria.
Os mais novos de entre os leitores verão o apocalipse que daqui irá nascer dentro de duas ou três décadas. Os americanos são inventivos e na indústria cinematográfica já têm filmes de pré ficção com guiões e intrigas aí desenrolados.
Estranho mundo este a mergulhar paulatinamente na sua global destruição…
(fotos DR)