Ponto 1
Em 14-09-14, escrevia Javier Marías no El País na sua crónica sob o título “Completos idiotas?”…
“A operação começou já com brio antes de agosto, e preparem-se para o que está para vir, é interessante: o governo de Rajoy, tentando convencer a população de que as coisas são exactamente o contrário do que ela vive, percebe e padece dia após dia. Se o governo o conseguir, teremos de aceitar que a realidade já não conta e que somos fantoches imbecilizados, incapazes de pensar e ver por nós mesmos, meros reféns da propaganda institucional (e dos meios de comunicação afins, ou antes servis, ou timoratos nalguns casos); que as palavras falsas possuem mais força que as evidências e que nos transformámos em seres domesticados e em completos idiotas.”
Ponto 2
Rui Oliveira Marques, a 27-12-18, na plataforma Meios & Publicidade escrevia o artigo que tem por título “APCT*: Nenhum jornal consegue contrariar queda na circulação impressa paga”, que aqui pode ler na íntegra:
Ponto 3
O eleitor é tão ingenuamente néscio que o poder, roubando-lhe todo o ano as suas esforçadas economias, em impostos brutais e sucessivos, se dá por felicíssimo quando, de tempos a tempos, para lhe minorar a infausta existência e para o comprar/aliciar/afagar no cachaço, lhe dá festas faustosas.
Quanto mais reflicto nisto mais amarga se torna – para mim – esta cínica realidade.
No fundo, somos quase como aqueles reclusos políticos detidos na prisão líbia de Abu Salim **, na Líbia de Kadhafi, que depois de várias horas de interrogatórios e torturas se sentiam no 7º céu ao regressarem ao buraco negro e infecto de suas exíguas celas onde, do tecto, brotavam das 06 as 24 horas palavras de ordem do regime e discursos tonitruantes do déspota.
Somos carneiros, ora silenciosos ora balindo mansamente ao toque áspero do cajado do pastor que, frequentemente, nos conduz perfidamente à ara.
O mais paradoxalmente hilariante é que somos nós que “damos” o dinheiro aos vilões que nos divertem no intervalo da extorsão. Se isto não fosse semi-trágico, daria uma alarve gargalhada…
Ponto 4
Charles Bukowski, o icónico escritor americano (nascido na Alemanha), escreve em “Os cães ladram facas” (Alfaguara):
a cara de um candidato político num cartaz de rua
lá está ele:
poucas ressacas
poucas discussões com mulheres
poucos pneus furados
nunca pensou em suicídio
não mais de três dores de dentes
nunca falhou uma refeição
nunca esteve na cadeia
nunca se apaixonou
7 pares de sapatos
um filho na faculdade
um carro com um ano
apólices de seguros
uma relva muito verde
caixotes de lixo bem fechados
será eleito.
Ponto final
Talvez o leitor não encontre nenhuma ligação entre estes pontos enumerados. Mas isso será subestimá-lo. Eles interligam-se e, nas entrelinhas complementam-se.
Concluo com Javier Marías (op. citado):
“Também sabemos que muitos indivíduos só desejam inteirar-se do que de antemão lhes agrada ou aprovam, pretendem ser reconfortados nas suas ideias ou na sua visão da realidade e nada mais, e irritam-se se o seu jornal ou o seu canal preferido as põem em questão. Aspiram somente a ser confirmados, a assegurarem-se do que crêem saber, a que ninguém neles semeie dúvidas ou os obrigue a pensar no que já têm pensado (é uma maneira de dizer). A nossa capacidade de engolirmos mentiras ou verdades distorcidas é quase infinita, quando elas nos aprazem ou dão razão. O autoengano é desprovido de limites.”
O mal desta imbecilidade generalizada é ter sido captada e capturada pela astúcia dos politiqueiros por aí pululantes.
*Associação Portuguesa Para O Controlo De Tiragem E Circulação
** Ler “o regresso”, de Hisham Matar
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(Fotos/imagens DR)