Os alienados…

Há textos que se anacronizam e ao fim de uns anos perdem todo o contacto com o real descrito. Ficam velhos num instante. Acontece o mesmo com alguns escritores muito datados que, e no espaço de duas décadas perdem toda a notoriedade, interesse e relevância. Não é importante destacar nomes, mas podemos deixar um só, […]

  • 0:08 | Sexta-feira, 03 de Janeiro de 2014
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Há textos que se anacronizam e ao fim de uns anos perdem todo o contacto com o real descrito. Ficam velhos num instante. Acontece o mesmo com alguns escritores muito datados que, e no espaço de duas décadas perdem toda a notoriedade, interesse e relevância. Não é importante destacar nomes, mas podemos deixar um só, gigante da sua época, hoje tombado no esquecimento: Ferreira de Castro.

Este fenómeno tem a ver com o excesso de uma estética, de uma corrente, com hiperenvolvências históricas, etc. Por exemplo, no neo-realismo encontramos alguns nomes para sempre perdidos. Pelo contrário, outros há cujo reganho contínuo de interesse por parte do público lhes concede o cunho da intemporalidade, da premência, da actualidade. Porventura pelo permanente afastamento de modismos. Certo, por mor da genialidade. Aquilino Ribeiro é destes.

Vem esta introdução ao caso de ter pegado num velho volume de Júlio de Matos (sim, o do Hospital Psiquiátrico), intitulado “Elementos de Psychiatria”, reedição de 1911 do original “Manual de Doenças Mentais”, 1884.


A certo trecho, escreve assim acerca da megalomania (actualizámos a grafia da época):

É uma afecção mental caracterizada pelo exagero do sentimento da personalidade. Deste exagero mórbido resulta uma sobreexcitação expansiva das faculdades e dos sentimentos, acompanhada de impulsões violentas e enérgicas, e de atitudes especiais; ideias ambiciosas, preocupações de grandeza, absorvem o alienado, que perde a consciência da sua posição social, para supor-se investido de poderes excepcionais, ou identificar-se com grandes personagens históricos. O delírio dos megalomaníacos é profundamente característico. Como todos os delírios parciais, ele move-se dentro de um círculo muito restrito de concepções, e é perfeitamente sistemático. Mas a exaltação da personalidade imprime-lhe uma feição especial e inconfundível. Ideias ambiciosas, qualquer que seja a sua natureza, dominam tiranicamente o alienado, constituindo o delírio. O doente crê-se rei, almirante, general, papa, santo ou mesmo Deus. Crê-se possuidor de milhões, dispensador de cargos sociais, de graças divinas, de privilégios. Se as ideias de sexualidade predominam, o alienado julga-se possuidor de belezas excepcionais, de graças e talentos de sedução incomparáveis… O estilo dos megalomaníacos é característico: apreciam as grandes frases sonoras, o paradoxo, as antíteses, as comparações imaginosas…”

Esta longa transcrição é suficiente para retratarmos gente nossa conhecida. Alguns há a quem não falta um único traço da caracterização atrás descrita… São os alienados. E se formos ao dicionário, acerca de alienado diz-nos: “Que está num tal estado de alheamento que não se apercebe do que se passa à sua volta; Que perdeu a razão ou tem as faculdades mentais perturbadas; Demente, doido, louco, alheado, extasiado, deslumbrado“… e por aí fora. Quanto mais avançamos, mais rostos conhecidos se vão desenhando à nossa frente.

Será este o futuro? Pululado por gente ausente da realidade? Deslumbrada pela demência? Deus deles nos livre porque andam à solta por aí, agora que o Hospital Júlio de Matos encerrou as suas portas, não se distinguindo de imediato do cidadão comum, vulgar e normal. Podem fazer muito mal a muito boa e crédula gente.

Em geral, são protegidos dos detentores de algum poder, assazmente também, pré-alienados ou pré-megalómanos. Logo, quase espécimes da mesma raça, da mesma tribo, portadores de análogas idiossincrasias e comuns objectivos…

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