Há quem fale na nova gastronomia portuguesa, muito a aprecie e a ache fundamental como atracção turística neste domínio da mesa.
Pessoalmente, sou um adepto fervoroso e devotado da velha guarda culinária, “chamando um figo” aos pratos da nossa secular tradição, mormente da beiroa.
Vem isto a propósito de um prato que delicia o palato mal o frio se avizinha. O escoado ou cozido beirão, antigamente prato domingueiro em casa de lavrador mais abastado, depois caído em desuso e ultrapassado pelo mais ancho e urbano “cozido à portuguesa”, afidalgado e mais farto na diversidade de ingredientes.
O escoado é a modos que um cozido à portuguesa beirão que eu me habituei a comer desde que me lembro de apreciar a mesa, é um prato forte, composto essencialmente de feijão vermelho caseiro (o arrebenta panelas) cozido com couve e nabo da horta. Condimenta com muito azeite virgem de adequada acidez, vinagre atrevido e alho cabonde. Chouriças não devem faltar. E caseiras. De carne e de boche (a dos couratos) ademais acompanhadas de toda a parafernália gorda de carne cozida de porco, com sua licença: orelheira, chispe, tromba, faceira, cabeça, banda, toucinho, salpicão e etc.
Falta-lhe decerto a vitelinha do “à Portuguesa”, a galinha nédia e do campo, o arroz, a batata, a cenoura… Mas confie, caro leitor, que nem se dá conta.
Sirva com um Dão tinto de corpo e grau adequado à textura do conduto…
Pena é que os nossos restaurantes beirões mais dedicados à gastronomia tradicional não tenham o escoado, em grande conta. Para mim, continua a ser um dos excelentes expoentes da nossa cozinha regional.
Deixo ainda aqui uma receita muita antiga de caldo forte… O Caldo à Portuguesa:
Pôr no fundo de uma caçarola uma mão-cheia e farta de salsa, coentro e hortelã; corta-se um pão de trigo gordo ao meio e desfaz-se em bocadinhos, arrumam-se na caçarola com as côdeas para baixo e 15 minutos antes de servir, molham-se com um caldo feito de carne de vaca, paio, presunto, uma perdiz, uma mão cheia de grãos, dois olhos de couves, duas cenouras, uma cabeça de alhos e uma cebola cravejada ou picada. Ponha-se a ferver por um instante sobre umas brasas (hoje, em lume brando, no fogão), tapada a caçarola com sua tampa. Ao servir, virem-se de cima para baixo sobre um prato covo ou numa sopeira e sirva-se guarnecida de roda com o paio e o presunto. No meio, os olhos de couve, com tantos ovos escalfados quantos os comensais.
Esta receita é muito antiga e foi lembrada por Lucas Rigaud no seu livro publicado em 1807, “Cozinheiro Moderno, ou nova Arte de Cozinha”
Bom apetite e não se preocupe — hoje — com o ácido úrico. Só amanhã…