MULTAS NA ESTRADA: PREVENÇÃO OU REPRESSÃO?

    “Toda lei muitas vezes transgredida é má: cabe ao legislador revogá-la ou substituí-la antes que o desprezo por uma disposição insensata se estenda a outras leis mais justas.” (Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano)   Um conhecido meu queixava-se há pouco, numa rede social: “Eles estão escondidos em xxx. É época de Natal, é […]

  • 20:07 | Sábado, 12 de Dezembro de 2015
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“Toda lei muitas vezes transgredida é má: cabe ao legislador revogá-la ou substituí-la antes que o desprezo por uma disposição insensata se estenda a outras leis mais justas.”
(Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano)
 
Um conhecido meu queixava-se há pouco, numa rede social:
“Eles estão escondidos em xxx. É época de Natal, é preciso encher os cofres para pagar os subsídios!”
Desabafos destes são às centenas. Todos nós achamos que e por mero exemplo, 50 km/h em certos locais é sinónimo de morrer de pasmo. E porém, quantos morrem nas passadeiras por violento atropelamento?
Este assunto não é pacífico. Responsáveis justificam-se pela pedagogia da medida. Outros, pela transgressora conduta de imensos utentes da estrada. Outros invocam a máxima: Para grandes males, grandes remédios. Outros entendem que o condutor médio lusitano é tendencialmente prevaricador. Outros crêem que nada justifica que as estradas sejam um campo de batalha e que nas estradas portuguesas tenham perdido a vida, até 30 de Novembro, 446 utentes, segundo dados da ANSR.
Poderíamos aqui invocar que o parque automóvel nacional é dos mais velhos da Europa; que muitos automobilistas não têm cuidado ou dinheiro para revisar os veículos, comprar pneus adequados, suspensões activas, travões eficazes, etc.
Também é certo que nas cidades e nomeadamente em Viseu, se vêem cada vez mais carros abandonados na via pública, porventura por alguns dos motivos atrás referidos.
Uma revista da especialidade, das poucas que ainda insisto em comprar, a Auto-Hoje, escrevia na capa do seu último número:
O Melhor Ano de Receitas – Multas batem recorde.
Prémios monetários e férias extra para agentes ajudam a explicar fenómeno.”
E aqui está o busílis que põe em causa toda a profilaxia da medida e deita por terra a intenção preventiva…
O anterior governo descobriu neste contexto uma autêntica galinha de ovos de ouro e tratou de fazer dela a melhor poedeira do seu galinheiro, de molde a encher os cofres sempre rotos do erário público, com as sucessivas coimas aplicadas.
Ganha o agente, ganha o posto a que pertence, ganha a Autoridade Nacional Rodoviária e ganha não sabemos mais quem. Só assim se justifica os investimentos do ex-ministro Miguel Macedo (por mero exemplo) em veículos topo de gama, em radares sofistacadíssimos e em alta tecnologia nas Sharons que por aí andam, onde todos os cruzamentos de dados são possíveis, deixando um infractor de esqueleto ao léu.
 
Segundo os dados apurados, grande número de multas até Novembro de 2015 é por excesso de velocidade (165.517); seguem-se os carros sem inspecção (21.7829); os veículos sem seguro (10.337) e os condutores sem carta de condução (4.059), sendo o maior número de detenções por condução sob efeito de álcool (72%).
Estes números justificam muita medida extraordinária. Porém, não justificam a caça à multa introduzida pelo decreto-lei nº 243/2015, de 19 de Outubro, que no seu artigo 143º, nº3, legisla: “os prémios de desempenho a atribuir aos polícias em função da respectiva avaliação assumem (…) as seguintes modalidades: a) atribuição de uma compensação monetária (…); b) concessão de dias de férias aos polícias que tenham avaliação positiva.”
Aqui esbate-se toda a justiça/injustiça de “uma lei muitas vezes transgredida”. Ela será má e questionável ou justificável pela sinistralidade ocorrida. Sempre insensata pela indução à caça à multa.
2015, nos seus primeiros 10 meses o Estado meteu 76 milhões de euros ao bolso. Mas as estradas de Portugal mataram 446 cidadãos. Amanhã poderá ser alguém que nos é próximo ou qualquer um de nós. Os fins justificam os meios? Não há outra forma de fazer a tal pedagogia e a profilaxia do sinistro sem recorrer aos bolsos exangues dos utentes?
Responda quem sabe.
Nota final: o sector automóvel paga em impostos uma das maiores cargas fiscais da Europa. Se nos lembrarmos que metade do que desembolsamos por cada litro de combustível vai direito para os seus cofres… Um Maná!
(as imagens reportam acidentes em França)

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