“Meu Portugal eterno / De cabras e carrascos” (…)

    Há muitos anos que tenho cães. Aprendi a estimá-los e a respeitá-los como constantes companhias. Argos, um ancião labrador com 13 anos, a viver comigo desde os 2 meses, é o derradeiro deles. Mantém o hábito imperturbável de me acordar às 07h00 para o primeiro passeio matinal. Depois e como ainda é cedo, […]

  • 21:14 | Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2014
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Há muitos anos que tenho cães. Aprendi a estimá-los e a respeitá-los como constantes companhias.
Argos, um ancião labrador com 13 anos, a viver comigo desde os 2 meses, é o derradeiro deles.
Mantém o hábito imperturbável de me acordar às 07h00 para o primeiro passeio matinal. Depois e como ainda é cedo, deito-me mais uma horita e ele, circula à volta da cama, tentando pinchar para o meu lado, impedido, domado, dorido pela artrose, pela coluna, pela tiróide, pelas cataratas… todos são desmesurados os obstáculos a tolher o acto. Mas o Argos é persistente. E porque tem uma crença insiste, caminha em redor, vai cheirar a borda da cama para consolidar a certeza e, finalmente, num esforço maior (nem eu sei quanto…), num salto hercúleo consegue o seu intento. A partir daí, a arfar, descansa e adormece apaziguado.
Por vezes, encontro analogias entre ele e a minha pessoa. O que é natural. Talvez ele esteja mais humano ou eu mais canídeo.
Quantas vezes perante o pútrido lamaçal em que nós vemos chafurdar a “nata” do país, a repulsa nos toma, o desalento nos tolhe, a inércia se acerca, o atrito nos retém e o vómito nos sufoca?
E pensamos desistir. Baixar os braços. Virar costas. Ser indiferente. Desprezar. Conformar. Alinhar na fila…
Mas depois, de súbito, alguma força interior nos segreda como ao poeta: “não vou por aí…!” E reitero: ainda não…
E faço como o Argos, reúno as forças, alento o ânimo e mantenho-me “em jogo”.
Às vezes é uma convicção, outras, uma esperança, sempre uma rebeldia, uma teimosia que me diz… é preciso, é urgente, é premente continuar a lutar.
“Chama-se liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo te faz” (…)
 
M. Torga, Preservação, 1960.

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Publicado em Editorial