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“Leva arriba, pastorinhos Leva arriba, maltesia…”

Todos tocavam com os beiços gretados pela intempérie os membros envernizados da imagem e na bandeja depunham o óbulo: um tostão novo, um vintém reluzente, melápios, uma pera morim. E rompia a cantoria estrídula, que os anjos pela certa acompanhavam no Céu em seus arrabis e sanfonas de prata

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    • 20:23 | Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2024
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    Porque é Natal, deixamos um extracto tirado de “Terras do Demo” (1919), invocado por Aquilino em “O Livro do Menino Deus” (1945), respeitada a grafia da época.

    “Ia nascer o Menino Deus. Já a beata da Clarinha mai’lo João Lájeas lhe armavam a cabana, côlmo de palha, chão de musgo e uma manjedoira para a burra e para a novilha, que era mocha, salvo seja. Em guisa de paredes punham velhos chamalotes, e em torno do berço zagais com anhos às cavaleiras, magos de bornal farto e a rude malta dos caminhos. A Clara pernóstica todos os anos mandava cortar à Glórinhas, que tinha muito boas mãos, uma camisa nova para o Menino; camisa de fina olanda, cóscora de goma, colarinho à marialva, e ele que era mesmo um torrão de açúcar ria, ria, nem que lhe estivessem a fazer cócegas no umbigo. E assim fagueiro, nas sombras esvaentes da missa do galo, à luz de velas pouco maiores que pirilampos, o dava a beijar o senhor padre, murmurando:

    Venite adoremus.”


    “Lá fora, lutando com as trevas, a fogueira enorme do adro deitava, nas colhidas do vento, labaredas que ensanguentavam os muros e vinham laivar, como água-tinta duma profecia aziaga, a carne rósea do Menino. Todos tocavam com os beiços gretados pela intempérie os membros envernizados da imagem e na bandeja depunham o óbulo: um tostão novo, um vintém reluzente, melápios, uma pera morim. E rompia a cantoria estrídula, que os anjos pela certa acompanhavam no Céu em seus arrabis e sanfonas de prata:

    Pastorinhas do deserto,

    Levantai-vos que é de dia;

    Há muito que o sol é nado

    No regaço de Maria.

    Deixai cajado e manta,

    Vinde todos a Belém

    Adorar o Deus Menino

    Nos braços da Virgem-Mãe.

    Leva arriba, pastorinhos

    Leva arriba, maltesia,

    Já lhe está a dar a mama

    Sua mãe Virgem Maria.”

     

     

     

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