Porque é Natal, deixamos um extracto tirado de “Terras do Demo” (1919), invocado por Aquilino em “O Livro do Menino Deus” (1945), respeitada a grafia da época.
“Ia nascer o Menino Deus. Já a beata da Clarinha mai’lo João Lájeas lhe armavam a cabana, côlmo de palha, chão de musgo e uma manjedoira para a burra e para a novilha, que era mocha, salvo seja. Em guisa de paredes punham velhos chamalotes, e em torno do berço zagais com anhos às cavaleiras, magos de bornal farto e a rude malta dos caminhos. A Clara pernóstica todos os anos mandava cortar à Glórinhas, que tinha muito boas mãos, uma camisa nova para o Menino; camisa de fina olanda, cóscora de goma, colarinho à marialva, e ele que era mesmo um torrão de açúcar ria, ria, nem que lhe estivessem a fazer cócegas no umbigo. E assim fagueiro, nas sombras esvaentes da missa do galo, à luz de velas pouco maiores que pirilampos, o dava a beijar o senhor padre, murmurando:
— Venite adoremus.”
“Lá fora, lutando com as trevas, a fogueira enorme do adro deitava, nas colhidas do vento, labaredas que ensanguentavam os muros e vinham laivar, como água-tinta duma profecia aziaga, a carne rósea do Menino. Todos tocavam com os beiços gretados pela intempérie os membros envernizados da imagem e na bandeja depunham o óbulo: um tostão novo, um vintém reluzente, melápios, uma pera morim. E rompia a cantoria estrídula, que os anjos pela certa acompanhavam no Céu em seus arrabis e sanfonas de prata:
Pastorinhas do deserto,
Levantai-vos que é de dia;
Há muito que o sol é nado
No regaço de Maria.
Deixai cajado e manta,
Vinde todos a Belém
Adorar o Deus Menino
Nos braços da Virgem-Mãe.
Leva arriba, pastorinhos
Leva arriba, maltesia,
Já lhe está a dar a mama
Sua mãe Virgem Maria.”