Há um secretário de estado dentro de cada um de nós

-- Caro Amigo permita-me parabenizá-lo pelas novas funções de que foi acometido. O meu amigo é, evidentemente, “the right man in the right place”, sempre o disse, mas… aceite o atrevimento, que só me é legitimado pelos superiores interesses da Nação que sirvo… Não acha que eu seria uma preciosa mais-valia no seu staff, como seu(sua) secretário(a) de Estado?

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  • 17:49 | Quarta-feira, 30 de Março de 2022
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Outrora, os missionários tinham como principal função espalhar a fé cristã pelo mundo, convertendo a torto e a esmo, os autóctones, ditos os “selvagens”, dos territórios ocupados.

Foi assazmente relevante para o cristianismo a sua acção evangelizadora, nomeadamente a dos poderosos Jesuítas.

Nos nossos dias, a fé divulga-se pela internet com shows de transe místico, cantorias, milagres e peditórios. Os missionários andam de fato e gravata, bebem cognacs velhos, usam fatos Versace e relógios Rolex, em ouro. Mais, deixaram de ser torturados, mortos e canibalizados pelos “índios” importunados na sua secular e edénica existência, tornando-se eles próprios “canibais”.

Hoje, os outros missionários arreiaram fundações lá para as bandas da política, que como todos sabemos, é obra dos cidadãos da polis, muito carecida de gente iluminada, ardente em fé e de místico fervor.


Então, empenhados, fazem fila para chegar ao Parnaso, que pode muito bem começar pela Casa da Democracia ou Assembleia da República, almejando garantir um empregozinho bem pago e não muito esforçado por quatro anos, no mínimo, no máximo podendo lá ficar até que o Alzheimer os desmemorie.

E basta ver aquando da constituição das listas pelas distritais… só lhes falta andarem ao tabefe, ou como os índios das florestas perdidas, comerem-se uns aos outros.

A apetência é muita, a concorrência é maior e, para muitos, é quase o único meio de subsistência que logram arranjar nestes tempos difíceis, a tábua da salvação.

Lá chegados, depois de tirarem o retrato e receberem um saquinho com o logotipo da AR e, lá dentro o regimento da casa – que vão ter de estudar, mesmo que lhes custe –, estão prontos e confirmados como tribunos do povo que os elegeu para a defesa das causas dos seus territórios e da Nação.

Quando lá ficam mais do que um mandato, conhecendo os corredores onde perdem os passos, e percebendo que não precisam de ser geniais como o Professor Pardal, empafiam-se de fátuo deslumbramento e questionam-se:

E já agora, porque não ser ministro? Ou na falta de vaga, secretário de estado?

Alguns até, no deslumbramento da sua meteórica carreira, da sua missão patriótica, zelotas da res publica, ansiosos por dar o peito (ou os peitos) às balas, impacientes pelo aparente esquecimento de quem decide, despachados pensam: Se Maomé não vai à montanha vai a montanha a Maomé. E prescientes desta certeza, depois de estudarem bem os delgadinhos currículos, como num puzzle, tentam adequá-los a uma pasta e, logo de seguida, ansiosos, pegam no telemóvel, ligam ao ministro ou à ministra e disparam, com voz untuosa:

 

 

— Caro Amigo permita-me parabenizá-lo pelas novas funções de que foi acometido. O meu amigo é, evidentemente, “the right man in the right place”, sempre o disse, mas… aceite o atrevimento, que só me é legitimado pelos superiores interesses da Nação que sirvo… Não acha que eu seria uma preciosa mais-valia no seu staff, como seu(sua) secretário(a) de Estado?

Claro está que o ministro ou a ministra em causa, estupefacto pela inesperada abordagem do(a) deputado(a), se cingiu a uns engasgados balbúcios, uns titúbeos de estupor, e tossicando, após limpar o catarro despachou:

— Que pena, se me tem falado ontem…

 

(Foto DR)

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