Um domingo acalorado. 40º, dizem… Bom para estar recatado, da canícula e junto de água.
A grande Agustina, em “Contemplação Carinhosa da Angústia” assim escreve sobre uma árvore de ancha sombra, um antiquíssimo castanheiro, na vertente do monte Etna “É conhecido pelo castanheiro dos cem cavalos, porque Joana de Aragão, com a sua comitiva de cem cavaleiros, abrigou-se debaixo da sua copa extraordinária.” Já não sobejam árvores destas e nós, homens, perdemos o hábito de buscar seu abrigo. Tamanhinho eu era e bem me lembro de um souto na Quinta das Vigárias, de meus avós, com centenárias árvores dessas em cujo tronco fazíamos toca, esconderijo e abrigo para as épicas brincadeiras de ganapos.
Hoje não me apetece escrever sobre coisas sérias, que só o são na aparência, porque se ligadas à omnipresente politiqueirice e à corja de oficiais do ofício por aí deambulantes de mão estendida e sem-vergonhice na cara , são pantomineirices do mais rés rasteiro.
Sou (era?) muito fiel a barbeiros e a engraxadores. Os segundos já se extinguiram, pois os sapatos viraram descartáveis e as ténis não levam graxa, os primeiros modernizaram-se, mudaram de nome e ascenderam a cabeleireiros. Há que subir na vida!
Aqui há umas décadas, homem que arriscasse ir a um cabeleireiro que não fosse para ir buscar a cônjuge ou, à saída, a jovem manicura para uma pândega, corria o risco de arruinar uma fama de virilidade muito a custo, punho e pulso conquistada.
Homem com H tinha barba e se a tinha no barbeiro se cuidava, aproveitando um entremez para um caldinho capilar.
O meu barbeiro de há décadas aposentou-se, pois com a provecta idade já ninguém ousava meter-lhe o pescoço nas mãos munidas daquelas navalhas afiadíssimas de cabos vermelho ou pérola, marca Filarmonica, em fino aço toledano de “doble tempera”, marca registada Jose Monserrat Tou. Quem recorda?
Arranjei uma cabeleireira. Senhora “elegantérrima” e de fino trato, subida cortesia, que nos convoca via net e nos oferece marrons glacés durante o acto.
Desta feita, depois de me dar aquelas tesouradas redentoras, mirou-me nas sobrancelhas (que estavam à la Cunhal) e nas orelhas a ganharem o pelo que falta noutros lados (insondáveis desígnios capilares…), rematando cerce: “Isto não está bem e desapura-me o resultado final!” Nem tossi nem mugi… “Sónia prepare a cera!”, ordenou teutónica a uma jovem colaboradora. Eu encolhi-me mas não dei parte de fraco. “Acha mesmo necessário?”, arrisquei em débil tom. “Sem dúvida nenhuma!”, retorquiu-me sem margem de altercação.
Com 6 lestas tesouradas em cada sobrancelha deixou-me a ver melhor e tirou-me aquele beiral de sombra que quase me evitava os rayban, enquanto e entretanto a rica Sónia lá me enchia as orelhas encolhidas de uma coisa viscosa, quente e rosa, que nada me incomodou, a bem se diga. Respirei aliviado. Afinal, depilação era coisa de criança…
Mas e de repente, deu-me um sacão na orelha direita que me chamou lágrimas aos olhos e mal ganhei fôlego, zás orelha esquerda repuxada. Já não me lembrava de tal penificação desde a escola primária, com o saudoso senhor professor Martins Pereira…
A Sónia, orgulhosa da façanha, à frente dos olhos brandia-me duas tiras cheias de pelos arrancados pela raiz e oscilava o espelho à frente dos meus pedúnculos auriculares, mais rosa que a bandeira do PS, a brilharem como rabo de bébé com nivea.
“Custou alguma coisa?”, questionou exibindo os troféus. Engoli um soluço, limpei uma lágrima e tartamudeei “Nada! Amanhã volto de novo!”, que um homem tem que ser um bocadinho fanfarrão, mesmo e se de orelhas a escaldar.
De uma coisa fiquei certo: A minha imensa admiração pelo sexo feminino desmesurou-se a pensar no sofrimento estóico que as senhoritas suportam para ser belas e se depilarem, principalmente em certas zonas do corpo…
Umas heroínas! Mais digo: Umas heroínas!