Já várias vezes escrevi que a diferença é uma riqueza e o contrário da perspectiva única, monofocal, unanimista e carneirista de toda a realidade.
Há uma relação de negação entre diferença e indiferença que supera, de alguma forma, a etimologia do vocábulo. Ou então, requer o rigor de uma arqueologia, de uma busca da sincronia em que a harmonia semântica dos contrários se impusesse.
A indiferença, grosso modo, é a ausência de reacção perante algo ou uma determinada realidade. Em grau acentuado pode tornar-se desprezo e ódio.
A realidade deixou de se impôr ao Homem, na sua vertente mais negativa ou até bestial, como algo de indigno, de ofensivo, de relutante. A realidade trivializou-se na dualidade do bem e do mal, tendo até a sua faceta positiva perdido valor perante a grandiosidade exaltante da negativa. Mal, que mimeticamente e numa confusão agónica entre a ficção e a verdade, se tornou num espectáculo semelhante ao filme que passa em todos os canais televisivos ou num cinema perto de si. Mas isso já seria outra conversa…
O sucesso da violência-espectáculo calava a fome nos circos romanos. Na actualidade, sublima, talvez, as frustrações e agudiza a emergência efémera, por osmose virtual, do super-homem que não existe em nós.
Os homens são cúmplices daquilo que os deixa indiferentes, esta asserção é por demais violenta para que nos detenhamos muito tempo na sua essência. Só tal pode fazer compreender o silêncio uivante sobre o que se passou na Europa do século XX e se passa na do século XXI, acerca dos genocídios e dos novos muros que já não são os da “vergonha”, tornando-se apenas os da xenofobia soprada pelos ventos sempre renovados do cataclismo nacionalista. Falta apenas reconstruir Treblinka, reactivar Auschwitz..
A uma escala menor, a indiferença, ou negação/aceitação da diferença, é aceitarmos acrítica e acefalamente tudo que ocorre em nosso redor, seja uma irregularidade, um abuso, uma ofensa, um acto de prepotência, um favorecimento, uma arrogância, uma mentira, uma falsidade, um abuso de poder…
Não reagirmos, ficarmos calados, anuirmos em silêncio, consentirmos, deixarmos passar… é de uma profunda cumplicidade para com quem os comete. Seja uma autoridade, seja um político no exercício do poder ou o Ti Zé da Esquina.
Pior ainda é denunciar as situações irregulares e exercidas com livre arbítrio, sem critério e fora de todas as normas admissíveis de conduta, e sermos pelos carneiros criticados, flebilmente, num intervalo de saciedade quando, para arrotarem o fastio, desligam os lábios túmidos de avidez do imenso úbero onde mamam até à exaustão e aturdimento do ligeiro resquício da consciência perdida ou vilmente vendida a troco dos míseros 30 dinheiros do pão-nosso de cada dia.
Seremos a sombra da sua má consciência? Ou um nítido retrato da sua vergonha?
Ser diferente é pois um estatuto que se impõe com uma nitidez temível para muitos à indiferença que vestem à medida, para suster os ténues fios da sua sempre invocada moralidade, cada vez mais duvidosa e perdida na nulidade do seu significado, quando os significados, em vital metamorfose ou mutação, se adulteram, cozinhados numa caldeirada temperada com a antítese dos conceitos enunciados.
A linguagem, estentóreo som da cosmética politiquice em vigor, tornou-se uma velha prostituta na boca do cidadão da polis…
O despudorado Montenegro chama-lhe ainda “pirotecnia política”.