Caro José Morgado
Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Paiva
Sabes que te estimo e que, assazmente, os afectos nos tiram a capacidade crítica necessária para ver tanto as qualidades, como as falhas e os defeitos naqueles de quem gostamos.
E porém…
Sei que a compra da casa e do quintal das “Caldeirinhas”, em frente ao edifício da Câmara, é um projecto que te é querido e com o qual queres deixar o teu dígito marcado na História autárquica do Concelho de Vila Nova de Paiva ao qual, se tu estás ligado pelas origens, eu estou ligado pela década que aí trabalhei, pelos amigos que aí fiz e pelos laços familiares que aí criei.
Por isso, a tua decisão de mandares cortar as tílias majestosas e com mais de um século de existência, no espaço que medeia entre os dois citados edifícios, se com muito esforço a compreendo, não a consigo de todo aceitar.
O homem de hoje e do futuro tem que encontrar na fauna e na flora a sustentabilidade ecológica absolutamente necessária ao equilíbrio dos ecossistemas e à harmonia paisagística que integra as nossas mais entrosadas e telúricas torgas.
O decerto competente engenheiro e/ou arquitecto que é autor do projecto (se não for um ex-autarca local…) decerto entenderá esta lógica, que ultrapassa em muito a falta dela, na sustentação do betão e do granito. O tempo do Estado Novo já há muito felizmente sendo passado.
Também a sensatez de todos os actantes envolvidos o determinará, mas mais o exige a vox populi que, tantas vezes sem a razão técnica subjacente, tem a razão sublime, bairrista e inultrapassável do seu bem-querer, do gosto inquebrantável pela sua Terra e na paisagem que desde sempre traz nos olhos e no coração.
Vila Nova de Paiva teve o seu tempo da agreste pedra e, se da sua sáfara terra, resistente, se ergue pujante flora, ela tornou-se uma das suas razões identitárias que, ladeada pela truta, integra a pedra de armas do Concelho, com maior ou menor razão apodado de “Capital Ecológica”.
Há erros que são irreversíveis. A título de mero exemplo, quando noutros Concelhos vizinhos se aproveitaram as antigas escolas primárias onde tantos milhares de munícipes aprenderam a ler, a contar e a escrever, e delas se fizeram centros interpretativos plurais, bibliotecas, mediatecas, etc., Vila Nova de Paiva fez um horroroso “bunker” em pedra e cimento, onde foram gastos muitas centenas de milhares de euros e hoje, provado sendo que para nada serve, a não ser inquinar a paisagem com a sua fealdade e mau-gosto, o emplastro lá permanece a mostrar os erros de quem ali o concebeu e plantou.
E não foste tu, meu caro José Morgado…
Se nós hoje criticamos os bolsonaros do planeta por destruírem a fauna e a flora do ecossistema amazónico, entre outros, se temos olhos para ver ao longe, deveremos tê-los também para ver ao perto e não destruir apenas, em nome de um subjectivo e questionável progresso, aquela que é uma riqueza patrimonial e afectiva, real e concreta de um território.
É comum aos autarcas que geram “arborícidios”, a tentativa de justificar a crueza dos seus actos irreparáveis com alegadas doenças das árvores que arrasam. É uma vã tentativa de dar caução nobre a real cínico…
Acontece por todo o lado. No Sátão, no Avelal, em Viseu…, onde os teus colegas são hábeis nessa labieta. Não os sigas, meu caro. Sabes bem que as árvores estão de saúde e a falta dela nunca deveria ser pretexto invocado nem argumento inconsistente para justificar o seu corte.
E mesmo se estivessem doentes, que não estão, – e se precisares de um relatório de especialista conceituado terei gosto em facultar-to – não ignoras que, em nós homens, na flora e na fauna que nos envolve, actualmente, muita doença e praga pode ser curada… Basta querer.
Incurável mesmo é a mão do homem que pega na motosserra para, a gume de impiedosa lâmina, tudo decepar e arrasar.
Com a sensatez que te caracteriza decerto verás tudo isso e estarás a tempo de reconsiderar esse corte das tão frondosas tílias, ex-libris dessa centenar praça.
Se o fizeres mostras grandeza, amor pela sede do teu Concelho que durante três mandatos lideraste e respeito pelos munícipes que te elegeram, por em ti e na tua vereação verem as qualidades inerentes ao desempenho do cargo.
Não estragues essa perspectiva. Não aniquiles essa opinião. Não cortes pela raiz o capital de mais-valia eventualmente granjeado.
Com a frontalidade de sempre, recebe a minha estima,
Paulo Neto
(Foto DR)