Amiguismo sem pudor ou fecunda ficção?

Vamos hoje conjecturar uma situação hipotética mas eventualmente plausível numa ficcionada instituição lusitana, de sólidos garantes e créditos. Uma senhora dispensada de uma qualquer empresa do tipo finanças, banca ou outra — talvez por ter ido duas vezes à missa no mesmo domingo — vai pedir emprego a um amigo que dirige uma empresa com, por […]

  • 9:49 | Quarta-feira, 02 de Março de 2016
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Vamos hoje conjecturar uma situação hipotética mas eventualmente plausível numa ficcionada instituição lusitana, de sólidos garantes e créditos.
Uma senhora dispensada de uma qualquer empresa do tipo finanças, banca ou outra — talvez por ter ido duas vezes à missa no mesmo domingo — vai pedir emprego a um amigo que dirige uma empresa com, por mero exemplo, muitos e ausentes sócios.
Esse amigo, bom samaritano e melhor escuteiro, que não quer ficar mal nas suas putativas competências, logo lhe escancara as portas e os portais. Mas sem saber onde a acolher, muito cogitando e face à sua anterior experiência, mete-a, imaginemos, na secção do deve e haver, a gerir as verbas da empresa.
Inverosímil mas possível?
O que acha o leitor?
Eu acho impossível.
 
Entretanto, elucubre-se um ficcional cúmulo:o marido da dita é por solidário azar dispensado (o mal vem aos pares…). E naturalmente, também, talvez por ter ido duas vezes à missa, no mesmo domingo.
Vai ter com o amigo que, continuando a não querer ficar mal no filantrópico e misericordioso papel que representa e assume, o reclama para a direcção.
Inverosímil mas possível?
O que acha o leitor?
Eu acho impossível.
 
Logo o marido, guindado a director, após aprofundados e especiosos conciliábulos conjugais, decide achar sua mulher adredemente mal paga, célere requerendo seu muito-mais-que-merecido-aumento.
Inverosímil mas possível?
O que acha o leitor?
Eu acho impossível.
 
Com as espaldas mais seguras, a esposa-do-director passa a dar ordens a tudo o que bule, de baratas, a ratazanas e mosquitos, num autoritarismo de brigadeiro duma companhia de hussardos. E de repente, ao rufar cadenciado do tambor, como um autómato, até o amigo que lhe deu a mão passa ao trote castelhano, lindo de luzir a calçada, curveteando à esquerda e dando upas à direita, mas sempre com aprumo de alta escola.
Inverosímil mas possível?
O que acha o leitor?
Eu acho impossível.
 
No entrementes, o dito esposo que trabalha ainda, em simultâneo, para outra empresa, súbito se põe a vender milhares de euros em produtos dessa empresa àquela outra onde é director. Mas só por serem de “fantástica qualidade”. Assim a modos que um desmedido favor feito.
Inverosímil mas possível.
O que acha o leitor?
Eu acho impossível.
 
Além disso, por alguma estranhíssima bizarria da sorte e do acaso — vamos lá a escrutinar os seus desígnios! — acede a toda a base de dados da instituição que também dirige. E que vai ele fazer?
Absolutamente nada, pois decerto (e passe a fantasia desta ficção) seria uma pessoa bem formada que nunca se aproveitaria de tão inesperada quão coincidente e tentadora situação, ou de tal bambúrrio de sorte, renegando a mais primaz das tentações.

Estas excêntricas conjecturas, que teriam lugar no ano 2020 dC, nunca mais acabariam, subindo mais alto no onírico imaginar do que a Torre Eiffel, que tem 317 metros de altura… Desçamos pois à terra.
 
Felizmente que numa sociedade civil transparente, ética, de direito e democrática como a nossa, nada disto seria alguma vez possível nem tão pouco plausível, nunca passando do mais negro pesadelo de uma noite fria de Inverno. Daqueles dos quais acordamos a suar.
Ademais, tão pródiga conjugação de factores, face ao mais básico cálculo de probabilidades, nem no Euromilhões adregaria a suceder.
Não vivemos em Moçambique nem na Somália, pois não?
Aí, talvez pudesse acontecer. Mas ainda assim, sujeito a imensas e substantivas reservas e muita, muita taxa alfandegária…
 

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Publicado em Editorial