Há quem explore a ira dos refugiados e nela se estribe para gerar contra eles ondas de revolta.
Quatro milhões de sírios fugiram da morte certa trocando-a pela vida incerta. Perderam um país, um lar, uma família. Têm sido escorraçados de Ainás para Caifás. Trazem aos ombros o espectro do Apocalipse e o sofrimento de um Calvário. Calcorrearam o caminho da cruz, percorreram todos os degraus da dor, sobem, a passos incertos de pés doridos de um sisifiano Inferno sangrento.
Naturalmente que o nosso espírito curioso, sobranceiro de quem acolhe, um pouco como a mão que dá a moeda ao pobrezinho do adro da igreja, queria um espojado reconhecimento de um ser de tudo despojado.
É fácil julgar o que nos rodeia, da sinecura do nosso conforto, ajuizar sobre um ser humano que acarta em si as dores do mundo e recusa uma garrafa de água da Cruz Vermelha ou se insurge, de dedos hirtos contra uma força policial armada que os controla. É o desespero. Ou melhor, a culminância do desespero, o seu paroxismo perante a realidade brutal e demencial que carreiam em seus peitos atridos.
A Europa teme-os. Eles temem o país tomado pelas forças que os chacinaram e, de novo arriscando a vida, correram à Europa, último reduto para a sua salvação. Aquela Europa de que nós europeus somos descrentes, pirateada pelos colarinhos brancos da agiotagem internacional, não é a Síria devastada pelos rockets do genocídio.
Talvez, como quando nós chegamos ao nosso acolhedor lar após uma ausência, urgentes de franquear a porta de entrada, eles se sintam ávidos de um destino onde não haja nem ódio, nem pânico nas 24 horas do dia, mas onde pode haver a impaciência dos supliciados à vista do oásis da salvação.
Miragem ou realidade, o tempo o dirá, certos de que não há tempo para a indecisão do a-fazer já.
O resto são “fait-divers” que servem as xenofobias que nós criticamos a quem os expulsou mas não vemos em quem teme acolhê-los.
Meros pretextos para a mais básica expressão da Humanidade em que a nossa cultura, civilização, educação e religião é pródiga.
Ou somos todos, também, fundamentalistas?