Sernancelhe. Carregal – Casa onde nasceu Aquilino
3 – A CASA – Ao jeito de um ninho Sernancelhe. Carregal – Casa onde nasceu Aquilino A casa em que nasci, Marianinha, Está voltada a Su-sueste E tem à frente um cipreste De atalaia à seara e à vinha. Casa antiga, descaiada. Se o sol bate na fachada Inunda-se a varanda […]
3 – A CASA – Ao jeito de um ninho
Sernancelhe. Carregal – Casa onde nasceu Aquilino
A casa em que nasci, Marianinha,
Está voltada a Su-sueste
E tem à frente um cipreste
De atalaia à seara e à vinha.
Casa antiga, descaiada.
Se o sol bate na fachada
Inunda-se a varanda de alegria;
Tia Rita fia na roca
E dos buraquinhos da alvenaria
Salta pardal com pardaloca.
In O Livro de Marianinha. Lengalengas e toadilhas em prosa rimada, 2.ª edição,
Bertrand Editora, Venda Nova, 1993, p. 11
A casa tinha jeito de ninho porque um dia, como as aves, também dela se voava.
Lareira acesa na madrugada. O manso bulício dos passos. Azuis de fumo soltos da chaminé. Réssegas de sol a entrar pela janela. Chilreio de pardais. Histórias contadas de lóbis-homens, mais de bruxas que de fadas Um grilo a cantar, noite fora, ao borralho, como pastor de flauta.
A sala grande, a Senhora da Penha de França colada no frontal, as tábuas de castanho a estalar e as visitas que chegavam em dia de festa, o Compasso, mulheres de lenço e os homens que tiravam, respeitosos, o chapéu.
O quarto de dormir, resguardado. A colcha de lã herdada dos avós enfeitada com coroa de rei ou monograma, a cama de madeira trabalhada, o lavatório de ferro de três pés e a bacia de louça enramada, e a arca de couro e pregaria, raminhos de alfazema perfumando o enxoval.
E a janela aberta para o quintal. Vasos de craveiros plantados pela mãe. E o cipreste que olhava, deslumbrado. Céu azul. Borboletas voando. Passaredo.
E o pátio térreo, resguardado. O balcão de pedra e os degraus que saltava aos pares. Portal escancarado anunciando sobre o longe um mundo novo. E o olhar voando, primeiro, como o dos pássaros antes de saltar do ninho.