A poesia da bicicleta
Faz lembrada a fotografia do «grande Fernando Assis Pacheco», que «foi casar de bicicleta» e, ao lado dela, de pé, exibiu um «descomunal manguito ao maralhal».
Sou um apreciador da mecânica poética dos Sinais, de Fernando Alves, na rádio TSF. Em 3 de Junho, dia mundial da bicicleta, lembrou este veículo, que corre, ligeira, na poesia portuguesa. Imaginem a voz cava e melódica do jornalista a entrar no assunto com a lembrança de que Steve Jobs quis chamar bicicleta aos seus computadores. «Aderi tarde ao computador e desisti cedo da bicicleta,» diz Fernando Alves, «tantas as mazelas das inumeráveis quedas, que nem sequer gloriosas.» Teme que seja tarde para «regressar ao pedal, embora saiba que Tolstoi tinha apenas mais um ano do que aqueles que tenho hoje quando decidiu aprender a andar de bicicleta». O autor de Guerra e Paz ia na idade de 67 anos. «Foi isso em 1895», diz Fernando Alves, «e há até, do notável facto, registo fotográfico».
Não podendo furar as estradas sobre duas rodas, Fernando Alves recomenda ao ouvinte que pedale no computador ou nos livros. Assim, qualquer um encontrará o poema A Bicicleta, de Alexandre O’Neill, no qual uma mulher se queixa do desaparecimento do marido, talvez levado pela polícia do Estado Novo:
O meu marido
saiu de casa no dia
25 de Janeiro. Levava uma bicicleta
a pedais, caixa de ferramenta de pedreiro,
vestia calças azuis de zuarte, camisa verde,
blusão cinzento, tipo militar, e calçava
botas de borracha e tinha chapéu cinzento
e levava na bicicleta um saco com uma manta
e uma pele de ovelha, um fogão a petróleo
e uma panela de esmalte azul.
Também podia ter lido o poema O Ciclista:
O homem que pedala, que ped’alma
Com o passado a tiracolo,
Ao ar vivaz abre as narinas:
Tem o por vir na pedaleira.
Faz lembrada a fotografia do «grande Fernando Assis Pacheco», que «foi casar de bicicleta» e, ao lado dela, de pé, exibiu um «descomunal manguito ao maralhal».
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Alude a Julio Cortázar, para quem o conto deve possuir as propriedades da bicicleta em andamento, equilibrada e rápida.
Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais –
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.