A FRAGA DA FONTE SANTA EM PERAVELHA
Alturas da Nave, planuras com nome de serra onde quase só o vento reina sobre uma solidão imensa de fraguedo entremeada de giestal e de outra flora bravia e de ervagens crescendo em corgos que os pastores de alguns perdidos povoados conhecem desde o Neolítico!… Lobos uivando sobre a brancura solene de nevões antigos […]
Alturas da Nave, planuras com nome de serra onde quase só o vento reina sobre uma solidão imensa de fraguedo entremeada de giestal e de outra flora bravia e de ervagens crescendo em corgos que os pastores de alguns perdidos povoados conhecem desde o Neolítico!… Lobos uivando sobre a brancura solene de nevões antigos amedrontando os homens que se guiavam por cruzes nos caminhos velhos, Malhadinhas, Frei Joaquim das Sete Dores e alvitanos valentes que eu vi na minha aldeia carregarem no dorso de burricos corpanzis de feras de que a montanha ficava liberta e mais pobre!…
Nos termos de Peravelha vê-se, à distância, luzeiro que foi de caminhantes da Lapa e Santiago, uma fraga de desmedido tamanho, o Penedo da Fonte Santa, como lhe chamam também, jeito de monstruosa cabeça de gigante que ali tivesse sido degolado antes que o mundo dos homens existisse, vento e geada a corroer-lhe a dureza das carnes tal qual como as águias que ferem, lá longe, o corpo agrilhoado de Prometeu de quem terá sido irmão, porventura.
De um céu antigo desceu este gigante, isso crêem, desde sempre, camponeses e pastores que andaram e ainda andam por ali. Foi ali à volta, em clareiras de um chão aplanado, que levantaram as moradas dos seus mortos, os dólmenes de valente lajedo onde dormem ainda, como se fosse madrugada de um tempo original, esses que foram “Avós de nossos Avós”, assim dito na sábia fala de Aquilino.
Na face do fraguedo voltada a Ocidente, talvez que fosse essa o rosto do gigante, descem, mal se atravessa o solstício de Verão, lágrimas de água e a gente das aldeias que ficam ao redor subia lá, molhava as mãos e curava com este gesto de milagre as maleitas de que não sabia nome, feridas de bicho ou de facada e maus-olhados. E chamaram Fonte Santa ao místico rego de água que descia, na quentura do Verão, da face ainda sofrida do gigante.
Alguém mandou erguer, no alto e a deslado, talvez como ex-voto, uma capela. Tão só para marcar que tal lugar era sagrado.
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Manhã de Páscoa, soalheira, subi a Peravelha, subi até à base da tal Fraga da Fonte Santa que ali pousa, luzeiro sobre mundos antigos de um tempo em que o homem não se estabelecera ainda como rei. Nem vento, nessa hora da fresquidão de uma manhã de céu azul sem qualquer mancha. Bebendo a luz do sol a flor ainda com viço das mimosas e a flor nova das giestas.
Voltarei no Verão, quando se soltam do rochedo as gotas de água, milagrosas. Para outra vez lavar meus olhos.