A Associação Olho Vivo, ao longo dos seus 35 anos na defesa dos direitos humanos, tem manifestado solidariedade com o povo da Palestina, vítima de uma ocupação, iniciada há 75 anos com a expulsão de suas casas de mais de 750 mil dos habitantes autóctones, um processo de colonização que humilha e discrimina a população árabe maioritária, e uma segregação racista, contra resoluções da ONU.
É certo que o ataque do Hamas foi um ato criminoso, injustificável, que matou 1.200 israelitas, a maioria civis (859), ato que condenamos e que não confundimos com os legítimos direitos de resistência à opressão, reconhecido desde 1789 (Art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) e de autodeterminação dos povos (Carta das Nações Unidas), mas tal não legitima os crimes de guerra e contra a humanidade, por parte do exército israelita e as claras intenções genocidas manifestadas pela liderança política em Israel. O que o direito internacional não contempla é o tão invocado, mas absurdo, “direito de defesa” de um país ocupante, colonizador e opressor.
O bloqueio imposto por Israel desde 2007 transformou Gaza na maior “prisão a céu aberto” no mundo. O nível de precariedade em Gaza levou a que em 2015 um relatório das Nações Unidas declarasse que Gaza seria “inabitável” em 2020. Hoje, num contexto de cerco total e ocupação militar, a ONU denuncia que Israel continua a negar o acesso à água, alimentos, energia e material médico, o que constitui atos de guerra contra a população civil, proibidos pela IV Convenção de Genebra.
A faixa de Gaza é um território de 365 km2, uma área menor do que a do concelho de Tondela, com uma população de 2,3 milhões de pessoas, das quais 1,7 milhões são refugiados – dois terços da população. Desde o dia 7 de outubro, 1,9 milhões de pessoas foram obrigadas a fugir das suas casas, cerca de 80% da população. Os bombardeamentos já tiraram a vida a 300 profissionais de saúde, a 80 jornalistas e a 152 funcionários da ONU.
A ONU alerta também para o número crescente de ataques contra a população palestiniana na Cisjordânia, provocados por soldados israelitas e milícias de colonos, que já assassinaram cerca de 300 pessoas, incluindo 70 crianças, a somar aos 200 palestinianos mortos desde o início de 2023, antes de 7 de outubro. Também a Amnistia Internacional, as organizações israelitas de defesa dos Direitos Humanos, B’Tselem e HaMoked, e o jornal israelita Haaretz, têm vindo a denunciar, desde há décadas, milhares de “detenções administrativas” (dos 8.000 palestinianos presos, 3.300 não têm qualquer acusação), incluindo menores de idade, com recorrentes torturas e até mortes de prisioneiros.
Portugal, como qualquer Estado, tem a obrigação de prevenir e actuar perante um acto de genocídio e contribuir para uma solução política (a única possível e desejável, como demonstram todas as guerras coloniais e de libertação nacional) que conduza à paz no Médio Oriente, pelo que apelamos ao Governo, “em gestão” mas na plena competência de atos urgentes, dada a catástrofe humanitária em causa, para:
1. Tomar uma posição consequente com o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas, apoiando a queixa contra Israel, apresentada pela África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça, como já fez o Brasil e outros países, pelos atos que, de acordo com o Art. 2° da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio e o Estatuto de Roma do TPI, configuram o crime de genocídio;
2. Exigir um cessar-fogo imediato e duradouro e a libertação de todos os reféns feitos pelo Hamas, bem como dos muitos milhares de presos políticos palestinianos;
3. Reconhecer o Estado da Palestina, já reconhecido por 138 dos 193 Estados membros da ONU e por 9 países da UE (o governo de Espanha já se comprometeu a fazê-lo), respeitando as fronteiras definidas pela ONU, anteriores à “Guerra dos Seis Dias”, de 1967, com o desmantelamento dos colonatos nos territórios ocupados e o retorno dos refugiados.
Este será um passo urgente para abrir a porta a uma solução política que passe pela constituição de dois Estados, apontada pela ONU desde a Resolução 181, de 1947, que Israel tem inviabilizado com a expansão ilegal dos colonatos, criando um território descontínuo, recortado por inúmeros cantões, com um muro que serpenteia os colonatos (o Tribunal Internacional de Justiça já exigiu o seu desmantelamento), estradas onde só passam israelitas e sem acesso à água (Israel controla 85% da água nos territórios ocupados).
A única alternativa à solução dos dois Estados não é a continuação do conflito, mas um só Estado binacional laico e democrático que muitos palestinianos e israelitas defendem. De qualquer modo, terão de ser os palestinianos a decidir a forma de se autodeterminarem, como é seu direito. À comunidade internacional, em particular à União Europeia e a Portugal, cabe o dever de deixar de contemporizar com a ocupação e a agressão, exigir o fim imediato do genocídio e contribuir para uma paz duradoura no Médio Oriente.
Os subscritores:
Flora Silva, presidente da Direcção da Olho Vivo – Associação de Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos.
Carlos Vieira, vice-presidente da Direcção e coordenador do Núcleo de Viseu da Olho Vivo.
Isidro Soares, coordenador do Núcleo do Porto da Olho Vivo.