Com a pele da cor do camarão-tigre e um bronzeado algarvio, Hugo Soares, com ar desportivo, antes que outro o fizesse por ele, fez prova de vida, marcando território.
Hugo Soares não é um qualquer militante do PSD, por mais que a nossa casmurrice insista na teimosia excêntrica de que são todos iguais. Ele é líder parlamentar e secretário-geral do partido do governo, homem de confiança e braço direito do PM. Cargos de sobra para que o instinto político o leve a medir bem o que diz, não deixando que o copo transborde de espuma ácida.
Quando se está em certos lugares, não há opiniões pessoais, essas ficam para a família que desculpa a asneira com a tolerância do sangue. Não raramente, são estas figuras que dizem o que ao chefe não convém que se oiça, que mandam recados e separam as águas, que hostilizam os adversários convenientes, que lançam farpas, e, como no caso, até avançam com nomes para as presidenciais. Modo fino de testar a opinião pública quando, pelas circunstâncias, se navega à vista, sem porto seguro. Acrescidas razões para ser temperado nos dizeres.
Nos antípodas do anterior, Joaquim Sarmento, quiçá morno em excesso, Hugo Soares, na bancada, é homem truculento e agressivo, crispado e autoritário, predicados talvez desajustados em quem, para sobreviver, carece continuamente de negociações e acordos, de cedências e flexibilidades.
A entrevista a um semanário do passado fim-de-semana não é especialmente interessante, tem uma mão-cheia de banalidades, fala do orçamento e das convergências tácticas, das várias direitas, convoca presidenciáveis, é tímido na definição do seu perfil ideal. E não esquece o elogio às recentes medidas, dirigidas ao eleitorado mais volúvel: os jovens e os idosos. Resistindo à tentação de entrar por caminhos traiçoeiros, indesejados para quem caminha sobre brasas e tem a legítima ambição de vir um dia a estar ministro, acabou por ceder à sabedoria trémula dos inseguros. Dizendo algo ilógico, abstruso, incompreensível, inesperado. Acentuando um ponto, absolutamente improvável, eu dado a ingenuidades. Perguntado, respondeu que, entre Trump e Kamala “teria muita dificuldade em escolher”. Não é preciso ser-se versado nestas matéria, qualquer observador minimamente atento da política internacional e comprometido com os valores ocidentais sabe de ciência exacta que entre Trump e Kamala há a diferença entre excrementos e natas do céu. Mesmo assim, com argumentos vazios, justifica-se que conhece pouco da candidata democrata. Mas conhecerá Trump, julgo eu, e o bastante para o excluir, sem hesitar, para o arredar, sem duvidar.
Preocupa-me que um destacado dirigente do partido do governo assim pense, esquecido das loucuras de um presidente errante, incapaz, obtuso, perigoso, impreparado, fanático, adepto do ódio e da violência. De um presidente, com um discurso guerrilheiro, xenófobo, que instiga ao ódio e à invasão de instituições democráticas. O mandato de 2017/2021 não foi há tanto tempo quanto isso, e Hugo Soares já por cá andava. O espectáculo nunca visto da invasão do Capitólio, não aceitando os resultados eleitorais, não é passado, é presente, não é ficção, é real, afirmar que se os americanos lhe derem a presidência não precisam de votar mais, é ameaça, é chantagem, é mau demais para merecer confiança. Não é a ideologia ou a economia que afastam o cidadão comum de um homem como Trump. É o bom senso, a higiene mental e a saúde democrática. Tudo o que é normal existir num político responsável, comprometido com valores humanitários e civilizados. Nesse pormenor, Hugo Soares foi diletante, estouvado e infeliz. Era dispensável este espalhanço, que tem, contudo, a vantagem de tornar mais transparentes aqueles que nos entram em casa com discursos santos e puros. Ouvir o seu amigo do norte, ter-lhe-ia feito bem, poupava-o a este dissabor.
O meu pai dizia que os homens se conheciam com o vinho e a minha mãe que era nos detalhes. Ambos, indo por linhas travessas, estavam certos. Se foi um deslize, uma precipitação, que se esclareça, se foi mesmo produto de uma convicção, é triste, é um pesadelo. Ainda tão novo, e já estragado…
Tão esdrúxula e anacrónica é a sua dúvida impertinente, tal é a inconveniência da frase assassina, que me apetece recordar, adaptando-as, as palavras de Juan Carlos para Hugo Chávez, na XVII Conferência Ibero-Americana, em Santiago do Chile, a 10 de Novembro de 2007, decerto por bem menos: – Hugo, por qué no te callas?
Nota: Enquanto o seu desastrado homem de mão se metia por caminhos inconvenientes, Montenegro e família gozavam os prazeres terrenos num refúgio de elite, um empreendimento de luxo, em Perobas, perto de Natal, no Brasil, propriedade de Eurico Castro Alves, o “pai” do plano de emergência do governo para a a saúde, o “filho” que, de tão enfezado e raquítico, melhor fora que fosse de paternidade incógnita, definhando sem culpados, fenecendo sem deixar rasto.
(Fotos DR)