Se dezembro é uma época mágica e de encontros familiares, não deixa de ser também uma excelente ocasião para refletirmos sobre os nossos comportamentos.
A retoma da prática desportiva era aguardada com alguma expetativa para verificar se a sua ausência iria conduzir a uma alteração dos comportamentos. Será que íamos valorizar mais o que não tivemos e do qual sentimos tanta falta?
A verdade é que tudo continua igual. No futebol infanto‑juvenil continuam a ocorrer situações que, no mínimo, deviam envergonhar toda a comunidade. O enquadramento humano do desporto infantil está construído à imagem do desporto adulto. Impressiona, ou não, que não existam diferenças entre o comportamento dos adultos relativamente a crianças e jovens árbitros e aquele que se verifica no desporto sénior.
Continuamos a assistir a situações em que os dirigentes dão livre manifestação às atitudes e comportamentos que são usados nas competições de adultos: levantam-se, insultam árbitros e adversários, protestam, gritam, criam conflitos, etc. Os treinadores dirigem as equipas num clima de exaltação e agressividade que copiam do futebol profissional. São muito interventivos e cortam a criatividade às crianças. Por outro lado, vários treinadores são autênticos atores dramáticos que conseguem provocar um clima de medo e de agressividade entre todos os intervenientes. Por fim, e não menos importante, é o público destes jogos infantis. Quase sempre é constituído por familiares dos atletas que criam com regularidade uma «competição extrema», como se de uma Champions se tratasse. A ansiedade pelo êxito e pela classificação são os únicos pontos de interesse para estes pais. O conflito está quase sempre presente.
A única nota positiva a destacar nesta sinfonia descompassada são os árbitros, quase sempre jovens, que estão atualmente mais sensibilizados e têm uma atitude adaptada ao escalão etário em que estão inseridos.
Hoje, mais do que nunca, temos a certeza que o processo/tarefa é que é importante, ao contrário do resultado/classificação. Os clubes têm de ter um projeto desportivo para cada atleta no contexto de equipa. Não mais podemos ver adultos num campo de futebol a festejarem o que quer que lhe chamem que foi alcançado pelos seus filhos.
Não podemos nunca esquecer que as crianças recolhem nos seus modelos de referência (pais, treinadores, formadores, etc.) elementos que as vão moldar em termos de personalidade, de ser e estar na vida. Os pais não devem permitir que os seus filhos estejam sujeitos a ambientes de violência e têm de desempenhar o seu papel de progenitores: proteger. No desporto, os erros dos pais são amarras para os filhos.
As competições realizadas até à categoria dos sub‑11 tendem a deixar de ter resultados/classificações. Não faz sentido as crianças jogarem com as regras dos adultos, ou sejam, jogar para ganhar, para haver um campeão. As crianças querem jogar com alegria e empenho. Os pais esquecem esta situação, questionam os resultados dos jogos e sobrepõem os seus interesses às necessidades da criança. Não é ficção. Infelizmente, é a realidade.
Os adultos encaram-se a si próprios de um modo positivo e bem-sucedido ou sem valor e malsucedido. E é assim que demonstram os seus sentimentos e as suas atitudes: estes dizem muito sobre eles e pouco ou nada sobre quem anda em campo.
Ganhar é um objetivo importante, mas não pode tornar-se um fim em sim mesmo. É imperioso não esquecer que a principal motivação de uma criança se afirma no desejo de jogar – a criança quer jogar!
Votos de um Feliz Natal e Próspero 2022.
Vítor Santos
Embaixador do PNED