O estranho vício

Quem fosse relegado para a oposição, ainda sem tempo para se habituar ao novo papel, de imediato exigiria do novo Ministério soluções para os problemas que não resolveu, deixando acumular atritos e inconveniências, durante o mandato, independentemente da sua duração

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  • 11:39 | Segunda-feira, 09 de Setembro de 2024
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Tenho lido, ao longo dos anos, alguns livros de ciência e de filosofia políticas, de Maquiavel e Rousseau, de Locke e Marx, a que retorno, sempre que acontecimentos domésticos ou estrangeiros me impelem a encontrar neles explicação plausível para os sucedidos, que acompanho com isenção e o necessário distanciamento, só possíveis, creio, por não militar em qualquer partido ou organização cívica, que, mesmo involuntariamente, afunilaria o meu sentido crítico e turvaria a sua lucidez.

Em nenhumas das leituras, encontrei referências, e muito menos vantagens ou explicações, para o que é uma prática usual dos nossos dirigentes partidários, oriundos do tradicional arco da governação constitucional: PS, PSD e CDS.

Informalmente, e por certo com a maldade combinada, numa aleivosa partilha de irresponsabilidades, repetindo à exaustão comportamentos básicos e muito toscos, instituíram uma prática tão elementar quão néscia:


1. Quem se achegasse ao poder, trataria de se desculpar com a herança recebida, assim que as cousas não corressem de feição, mesmo que o período de nojo não se tivesse esgotado e o tempo de graças ainda permanecesse;

2. Quem fosse relegado para a oposição, ainda sem tempo para se habituar ao novo papel, de imediato exigiria do novo Ministério soluções para os problemas que não resolveu, deixando acumular atritos e inconveniências, durante o mandato, independentemente da sua duração;

3. Na recta final dos respectivos consulados, os governos tratam de armadilhar o terreno para que, quem vier, sinta o estrago das bombas e se consuma em remediar os prejuízos.

E é o que, por cá, se vai repetindo, desde 1976, num carrossel de figurões, que tem muitos lugares, mas só ganha andamento, quando tocado a três velocidades.

O trio, aprendendo com os maus exemplos, persiste, à uma, na asneira, repetindo os gestos e os tiques, que tresandam.

O PS, em bicos de pés, reclama que em áreas que deixou num desconserto ofensivo – a saúde, a educação, a segurança –  maltratadas, sem razão aparente para tanto desprezo, tudo passe a correr sobre rodas, num instantâneo e fluorescente passe de mágica.

E o PSD, sem que apresente medidas de fundo e estruturantes, ou talvez por essa falta, afeiçoa a incapacidade ao colo que mais lhe convém: a herança recebida.

O PS, a exigir pressa e celeridade, como que esfregando toalha e esponja sobre o passado recente e tentando fazer crer que é reluzente e salubre o que deixou podre e enegrecido, o PSD, a pedir calma e tempo, como que governar se pudesse fazer sem ideias ou programas, tardando na iniciativa e no rasgo, caminhando sobre o restolho do tempo pretérito.

Indistintamente, num rinque de patinagem, gincando pela superfície oleosa, ou num ringue de boxe, desferindo e rechaçando directas, o PS a dizer que deixou os cofres cheios e a reclamar divisão de méritos, o PSD, a sublinhar que não é bem assim, e a guardar para si os louros de um tímido começo.

Há, entretanto, momentos da maior hilariante perversidade, como o que o governo de Passos Coelho protagonizou, em 2015, ao privatizar a TAP, já depois da sua queda, na sequência da rejeição do seu programa de governo, coxo na legitimidade da decisão extemporânea.

E o benefício que o PS concedeu à Polícia Judiciária, esquecendo as restantes, sabendo que com esse tratamento dual estava a abrir a caixa de Pandora que quem viesse a seguir teria de fechar.

E nesta dança, o triunvirato, que, em São Bento, se vem revezando há cinco décadas, ocupa o palco da alta política e divide o bolo orçamental, concentrando em si as benévolas expectativas dos que, apesar de avisados e escaldados, continuam a acreditar nas suas ficcionadas e adoçadas versões da realidade.

Desconheço se estas impertinências são da nossa natureza ou se são consequência da ainda pouca maturidade democrática, mas tenho como certo que elas são razão directa de não vingarem muitas das reformas estruturais, que o país precisa como do pão para a boca.

Os líderes e os seus ajudantes-de-ordens, as sempre submissas segundas linhas, ávidas das migalhas que escorrem da alva toalha de linho beiroa, uns e outros amarrados aos ciclos eleitorais e reféns dos aparelhos partidários, não ousam inovar nem romper com velhos vícios, alguns do tempo da 1.ª República, que soçobrou aos excessos de alguns deslumbrados, os anti-tudo, os levianos radicais, morrendo pela teimosia tonta dos convencidos e por uma deficiente leitura da idiossincrasia do povo português, avessa a destemperos e alérgica a agressões às suas crenças.

E não tirando ilações dos erros do passado, quando o país foi governado por uma elite de gente manhosa e presunçosa, quem vem estando ao leme da frágil embarcação – jacobinos, fariseus e mal resolvidos, em assuntada marcha luminosa -, mergulhado numa moleza improdutiva e amorfa, constrói respostas imediatistas e provisórias, espalhafatosas e inócuas, gastando energias no efémero e perdendo tempo no transitório, continuando a não encarreirar o país por caminhos de esperança e confiança, que nos tirem, de uma vez, da cauda da Europa, e nos coloquem, definitivamente, na ambicionada rota da convergência.

PS – Informação relevante para melhor decifrarmos a massa de que somos feitos. A prisão do Vale de Judeus foi construída nos anos 60 do século passado, contemplando o projecto a electrificação da rede de segurança. Aconteceu, porém, que quando se ligava a electrificação da rede a luz da cadeia ia abaixo.

E é tudo isto que nos distingue…

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