A lamúria é uma consolação muito portuguesa.
Quer enquanto choradeira bem carpida, quer como queixume lamentado, quer como súplica lastimada, a lamúria é quase tão nossa quanto a saudade nossa é.
Outrora, em Roma, as Lemurias eram festas em honra das almas dos mortos. Hoje são acre consolo do desalentado ânimo dos vivos.
Vieira fala-nos desse mor pranto que acudiu aos peitos lusos quando, na Índia souberam do passamento de D. Manuel: “Começaram a chorar em grito, e se levantou o maior e mais lastimoso pranto que jamais se vira.” Hoje, o grito é mudo e não se ergue, nem soergue, antes cai nas profundas de todos nós.
Os gauleses, finórios, naquele espírito saltitante corporizado no m’sieur Macrontérix, chamaram-lhe “Jeremiadas” em honra de S. Jeremias, cujas lamentações ficaram, perpétuas, na hagiografia dos lastimantes de todos os séculos, idos e a vir.
E sem procurar mais, neste coro, um “Lamento”, de Torga, dá o lamiré:
Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do Futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?
Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia…
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!…
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente…
E é este povo decaído, esta mansa colmeia, zumbidora e industriosa que colhe o fel, já não corcel alado, antes jumento ou asno labutando para gáudio de alguns cidadãos desta polis, que Ulisses, o do mito, que o Pessoa refez n’ “o tudo que é nada”, cantando pariu Ulissiponis, Lissiponis e até Lisboa, capital que vem de cabeça, cujos membros, aos quatro cantos cardinais deste rectângulo, estrénuos, adejam insólitos a-deus-es acenados ao som das jeremiadas, como a raiva de um cilício ecoando nas margens do rio que passa.
E é este povo traído, Sísifo sempre, o corcel feito Ícaro despenhado, num chouto condenado, que vai convertendo iras em furores, tudo remoendo, por ora, em “ Tormento puro, doce e magoado.”